Pedro Mexia está há mais de 10 anos a desempenhar uma proeza digna de aplauso: ser comentador regular do programa Governo Sombra (Programa cujo nome fomos legalmente impedidos de dizer) e consultor para a área cultural da Casa Civil do Presidente da República, tudo ao mesmo tempo.
Afinal, para quê escolher entre microfone da atualidade política e gabinete quando se pode ter os dois? Esta conjugação sem qualquer período de afastamento é a verdadeira arte do equilíbrio político-mediático, que revela uma proximidade encantadora entre comentário público e exercício do poder.
Não estamos a falar daqueles comentadores que, por acaso, deram um saltinho para ser governantes — como Artur Santos Silva no Eixo do Mal — mas da passagem tão natural quanto inevitável de comentadores para funções públicas, sem o incómodo de um “período de nojo”. Em Portugal, parece que o comentário e o poder andam sempre de mãos dadas, quase como bons amigos que não querem dar tempo para saudades.
Num dos últimos programas, o de 28 de junho de 2025, Mexia disse uma daquelas frases que ficam para a posteridade: “se tivesse ideias para o país, não estaria aqui a comentar”. Esta declaração, longe de esclarecedora, revela bem o truque do faz-de-conta: não se trata de influenciar diretamente, mas de garantir o melhor dos dois mundos — visibilidade e poder — numa conjugação que só os verdadeiros equilibristas conseguem manter sem tropeçar.
Esta proximidade entre palco e bastidores, entre crítica e decisão, não é um acidente, é um fenómeno que Portugal já domina com mestria. A verdadeira questão não é o cargo em si, mas a ilusão da independência que nos querem vender. O título pomposo de “consultor” é o verniz que cobre a perfeita coincidência entre poder e microfone. Aliás, Mexia até em jeito de confissão, afirmou não ter votado em Marcelo… uma afirmação de mestre … Cavaco Silva só se lembrou de uma desculpa parecida para invocar a sua independência ao fim de quase 15 anos de poder quando disse que não era político profissional…
Talvez o nome mais adequado para o programa que já se chamou “Governo Sombra” fosse “Presidência Sombra”, para combinar com o espetáculo principal. Ou também não estivesse estado o seu colega de painel, outrora, encarregado pelo Presidente de escrever uma discurso para o dia 10 de junho…
E para terminar, fico a pensar como será possível o Presidente contribuir para a não separação das águas e dos poderes e ficar o exemplo para outros protagonistas da política poderem fazerem o mesmo…
Que os colegas de painel aceitem tão serenamente esta conjugação não me admira, o desconforto de ter um parceiro comentador do mesmo programa de TV entre “amigos” que também é consultor, conselheiro ou assessor, da presidência para todos parece ser a nova definição de “independência”.
No entanto, pelo que conheço de outros comentadores de programas do mesmo canal de TV, não conviveriam bem com tal facto…
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor