A subida do CHEGA só surpreendeu duas categorias de pessoas: os eleitores fixados num partido, e que, venha quem vier, votam sempre igual, e os desatentos da realidade, os que continuam a viver na bolha das suas convicções, teimando nos seus dogmas.
Entendamo-nos:
1. Com a abstenção nos 35.62%, o valor mais baixo em três décadas, é possível inferir que, afinal, o povo não está cansado de eleições, está saturado deste modo desajeitado e autofágico de fazer política e destes políticos de gelatina multisabores.
Votaram no CHEGA os desesperados, os desesperançados, os que deixaram de acreditar, os que se sentem enganados, os deserdados.
Eu passo a explicar: são os jovens que não vêem futuro à sua frente, que não têm paciência para as “jotas”, que não têm uma rede familiar que os proteja das mazelas que os impreparados lhes causam, que não têm saídas profissionais, que têm de emigrar, que não têm trabalho nem rendimentos que lhes permitam sair de casa, constituir família, ter uma casa e um carro; são os que não se conformam com esta política suicidária da emigração desregulada – é impossível viver nas grandes cidades; são os que fazem filas de madrugada, à espera de uma consulta; são os indiferentes ao onanismo ideológico e ao politicamente correcto; são os alérgicos aos temas fracturantes.
Mas esses são tão fascistas quanto os mais puros e refinados esquerdistas. De fascistas, não têm rigorosamente nada. Eles foram crescendo, na proporção do desencanto.
Há uma máxima na política que os líderes, confiantes em demasia, desprezaram ao longo dos anos: os extremismos aumentam quando os governos falham. E há 5 décadas os governos, uns atrás dos outros, vêm falhando sucessivamente.
Desta feita, a AD ainda escapou, mas se não houver tino nas cabeças pensantes e iluminadas do Terreiro do Paço, do Largo do Rato e da rua de São Caetano, será sol de pouca dura.
3. O PS, que antes ficara atrás da AD por 50.000 votos e agora ficará à frente do CHEGA pela mesma margem, cometeu um erro, que Mário Soares – no Rato, ainda se lembram dele, da sua lucidez e do seu instinto? – nunca cometeria. Acantonou-se à esquerda e cortou com o eleitorado menos ideológico. Desapegou-se dos “flutuantes”, dos que votam com o porta-moedas e a algibeira.
PNS, o “enfant terrible” precipitou-se na agenda e, sozinho, cavalgou um assassinato de carácter a Montenegro, supondo que o povo ainda se assustava com fantasmas.
Para os socialistas, foi um terramoto, seguido de um tsunami. Uma hecatombe. Uma noite de defuntos e de esqueletos. E prometeu uma reflexão profunda – conversa da chacha.
Que venham, então, e, sem novidade, veremos outro abalo na recomposição parlamentar. Quanto ao futuro, o problema é que, na tragédia, as organizações por vezes preferem enganar-se a si próprias. Poucas se reorganizam. Aguardemos.
4. O líder da oposição será Ventura. É a vida. O que importa não é a expressão eleitoral, mas o número de mandatos. Suplantará o PS, com o apuramento dos votos da emigração. De futuro, é com ele que o PR e o PM falarão em primeiro lugar. E isso conta muito. Presença, visibilidade, estatuto. Vantagens formais, mas que valem. Convém que não seja desvalorizado. A partir de ontem, é um verdadeiro candidato a PM. Assim o ditou a vontade popular. O povo não é só sábio quando se comporta de acordo com as nossas conveniências. Saibamos ser humildes.
5. Se o que importa é barrar o CHEGA, seria avisado que a AD e o PS se entendessem e mudassem de vida. Que, num acordo sólido e duradouro, assentissem em reformar o país. Que se aferrassem a um acordo de regime. Na economia – não criamos riqueza, não somos competitivos – na justiça – mais celeridade, menos prescrições, menos incidentes dilatórios – na saúde – o SNS aguenta? com que recursos? – na educação – estamos a formar quem? e para quê? no sistema eleitoral – este sistema proporcional está gasto e podre, dificulta soluções de governabilidade, complica a estabilidade. Caso contrário, o país ficará ingovernável e as más memórias da 1.ª República voltarão a agitar o nosso sossego. Com isso beneficiará o CHEGA.
6. Se, como dizem os cultos, os áugures e os arúspices, todos juntos, na casa mortuária, lambendo feridas e exorcizando demónios, a democracia está em causa e o regresso do fascismo nunca esteve tão perto, então, que se assuma o óbvio: uma democracia musculada faria bem ao regime, restaurando a autoridade e acabando com a impunidade, limitando os desmandos e pondo juízo nas cabeças estouvadas. Pondo regra num país sem rei nem roque.
Por favor, não me chamem de direita. Isso seria pior do que o desprazer de um coito interrompido.