Quem nos dera uma bicicleta!

Esquecia, o escritor, que o burro, sendo um animal adorável, se encontra desprovido de pedais onde uma criança, afogueada, exerça a força dos pés, rodas que a façam deslizar e campainha que substitua o seu terno zurro.

Tópico(s) Artigo

  • 12:00 | Domingo, 24 de Outubro de 2021
  • Ler em 2 minutos

A Cidade e as Serras ocupou Eça de Queirós nos últimos sete anos de vida, que terminou em Agosto de 1900. Foi nesse período que a bicicleta entrou em sua casa. Os filhos alegravam-se com essa máquina maravilhosa, que, com um módico de equilíbrio, os levava pelas ruas do jardim, num espanto de velocidade. O pai prometeu-lhes uma.

Em 13 de Agosto de 1897, na estância de Plombières, onde tentava renovar a sua frágil saúde, notou, pelas cartas da esposa, que os pequenos sentiam com impaciência a demora da compra. «Eu em Paris não a esqueci,» desculpa-se, «mas não tive realmente tempo de a deixar arranjada. Além disso a questão ficara um pouco no “vago”. Só depois de meditares, e eles meditarem, se resolveu a bicicleta; eu posso pedir ao Serra que a estude, a compre e a remeta.»

 


 

As crianças permaneciam, com a mãe, noutro lugar, creio que na praia. Daí vinha a hesitação de Eça de Queirós: «Mas acho que pouco tempo há para a gozarem – e resta sempre a dificuldade de não terem mamã biciclista ou papá biciclista que os acompanhe. Responde sobre o assunto.»

A carta, tão longa, deu tempo para pensar numa alternativa: «Talvez os pequenos (agora me lembro) preferissem à bicicleta o aluguer de uma charrette e burro, ao mês – com uso dela duas vezes por semana, por exemplo, ou outra vantajosa combinação.» Esquecia, o escritor, que o burro, sendo um animal adorável, se encontra desprovido de pedais onde uma criança, afogueada, exerça a força dos pés, rodas que a façam deslizar e campainha que substitua o seu terno zurro.

Maria, a mais velha dos filhos, que devia andar pelos nove anos, evocou, meio século depois, a ânsia pela bicicleta. «Uma bicicleta que fosse realmente nossa, que pudéssemos mostrar aos amigos discutindo-lhe os méritos. Mas não tinha chegado a hora, só um pouco mais tarde é que tivemos esse grande gosto.»

 

Gosto do artigo
Palavras-chave
Publicado por
Publicado em Opinião