O “pugresso”

O “pugresso” é uma coisa linda. Desmantelou a vida em comunidade, trouxe-nos para a solidão das cidades, dos apartamentos, do cada um por si. Trouxe-nos para as famílias atomizadas, monoparentais, as famílias que se encenam nas datas comemorativas. Perdemos entre outras coisas o sentido de comunidade, de esforço comum, de bem comum. Passámos à ideia […]

  • 13:00 | Sexta-feira, 30 de Maio de 2014
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O “pugresso” é uma coisa linda.

Desmantelou a vida em comunidade, trouxe-nos para a solidão das cidades, dos apartamentos, do cada um por si.

Trouxe-nos para as famílias atomizadas, monoparentais, as famílias que se encenam nas datas comemorativas.


Perdemos entre outras coisas o sentido de comunidade, de esforço comum, de bem comum. Passámos à ideia terrível de – para eu ganhar alguém tem de perder – do vale tudo ao tudo vale nada.

Pagamos para estar longe dos filhos enquanto crianças – educados por estranhos – e dos familiares idosos – tratados por estranhos.

E precisamos de trabalhar muito mais para poder pagar a quem nos leva a família para longe.

Tudo em nome do “pugresso”. Sendo que “pugresso” é muitas vezes a capacidade de alimentar dívidas pela vida toda, para se ter a sensação de que se é dono de coisas, a saber, tijolos e torneiras, a recordação de uma viagem, objectos que nos transportam de um lado para outro e panos. Tudo em nome da sensação reconfortante de ter “vencido na vida”.

Na doença, na aflição, institucionalizámos as respostas, desmembrámos a família e a comunidade.

Sem sentidos fortes de pertença ou raízes, sem a segurança da comunidade, ficamos entregues a nós próprios na longa jornada da vida, incapazes de nos mobilizar para o bem comum, olhando qualquer contributo pelo próximo como a migalha que nos faz falta.

E eis-nos chegados aos tempos da infelicidade geral.

Onde o esforço pela comunidade já só é possível com o chapéu de “solidariedade social”, organizado em Associações, IPSS’s, Projectos de Responsabilidade Social e deixou pura e simplesmente de fazer parte do quotidiano.

Nesta demanda de “pugresso” a sensação de falhanço é geral.

Os portugueses não confiam nas suas instituições, não sentem o Estado como coisa sua – paga por cada um de nós – mas como uma coisa alheia, distante e superior, com uma origem obscura e diáfana, incontornável e indefinível, como se tomados todos por um ataque generalizado de Alzheimer olhássemos ao espelho e não reconhecêssemos o Estado como nós próprios.

A verdade é que cada cadeira da escola pública, cada armário de repartição de finanças, cada computador de serviço público, cada maca de hospital é nossa. Pagamos diariamente com impostos tudo quanto o Estado põe ao nosso serviço. É justo portanto que cuidemos do que é nosso, tal como não riscamos paredes em casa ou destruímos canteiros de flores nos jardins de família.

A Educação para o Estado enquanto construção comum, património comum, bem comum não existe. Tal como a Educação para o espírito de comunidade. Ou a necessidade da reflexão crítica. Ou o imperativo de intervenção cidadã.

Um país que não educa formalmente as pessoas para a construção do Estado, não pode esperar que as famílias façam o que não podem ou não sabem. Um país com a taxa de iliteracia portuguesa não pode deixar as escolas dizer que as famílias todas têm de educar as crianças. É fingir que não existem estatísticas, que ninguém sabe o que se passa.

Se as escolas têm os recursos de que precisam? Não. Mas fingir que as famílias de onde as crianças chegam têm pai e mãe capazes de ensinar o que uma criança precisa também é empurrar o problema para a frente, para o lugar do nada.

 

E se na senda do “pugresso” podemos vislumbrar verdadeiro desenvolvimento ele mede-se na capacidade crescente de podermos decidir. De viver com a diferença. De desenhar o futuro. De tomar as rédeas do destino nas mãos. De poder sonhar e fazer. De poder projectar e cumprir. De poder ter um palavra a dizer.

E eis que depois da História ter mostrado o que é viver no obscurantismo medieval, o que é viver em ditadura, o que é viver vidas inteiras sem ousar ter esperança, se chega à democracia.

E bastaram 40 míseros anos para que o poder de escolher quem decide como vamos viver, valha menos que assistir ao vivo a um jogo de futebol.

Porque se para comprar um bilhete de futebol há gente que falta ao emprego, para ir votar, a maioria dos portugueses não falta ao supremo comodismo de se deixar ficar em casa.

É caso para dizer:

Viva o “Pugresso”!

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