Foco, foco gente!!

Nos muitos mundos que não se tocam, há em Portugal uma falta de foco inexplicável.

  • 19:46 | Quinta-feira, 15 de Novembro de 2018
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Despachando já o enorme, inultrapassável, agoniante e hegemónico futebol, basta lembrar que do desporto nascido em Inglaterra no séc. 19, até ao lençol interminável de comentadores nas televisões a discorrer sobre o dente do pente que ficou esquecido atrás da porta de uma pensão barata algures, se perdeu o que afinal interessa: o desporto, a competição justa e a superação pessoal.

Passando à política – a nobre arte de imprimir uma certa visão do mundo – onde terá ela morrido, enquanto ideal, para dar lugar à guerrilha, tantas vezes baixa, tantas vezes torpe, tantas vezes inútil?

Chegados ao mundo do trabalho, onde está a dignidade, o respeito, a certeza de que precisamos uns dos outros, para passar ao modo extorsão? Extorsão da vida pessoal dos assalariados, morte do respeito pelo outro, roubo do legítimo direito a uma vida decente?


No que toca à Nação – exceptuando Timor e o futebol que nos une – quando nos esquecemos de que somos um povo, uma História, um devir? Que nos une um fio longo de episódios grandiosos e menos bons, um território pequeno mas diverso, uma localização e clima únicos no mundo, uma língua poderosa, disseminada e esperançosa, um património de incalculável valor – na arte, na ciência, na capacidade singela de sermos acolhedores, latinos, simples e capazes?

Quando foi que perdemos o fio essencial da função da escola? Ensinar, preparar? E a tornámos um campo de batalha, sem sentido, onde se come mal, se passa frio, se ouvem professores desistentes, onde a burocracia asfixia tudo e todos, onde tantos professores treparam na carreira durante décadas não porque fossem bons profissionais mas porque eram antigos ? E sobretudo onde raramente se forjam as gerações capazes de nos tirar do círculo vicioso do país que deseja progredir, mas que não sai da cepa torta?

Quando foi que perdemos o tino e confundimos tudo?

Uma multidão de descontentes povoa o país, uma multidão de recursos é dizimada diariamente porque o foco, as prioridades, a clareza, o bom senso e a lógica emigraram. Neste caminho português da democracia, as pessoas decentes ficaram em casa. Sobraram os chico espertos, os muito ambiciosos, os medíocres que batalham pelo lugarzinho ao sol. Para trás ficou a decência, a humanidade, o brio, a exigência, o rigor, o valor da palavra.

Toda a pequena futilidade vale mais que a descoberta da cura para o cancro. A vida pendente do fora de jogo, do vestido da apresentadora que vai ganhar um milhão, quem nos dera, da trafulhice fiscal do empresário que era tão bem educado, valha-nos deus, da outra que pintava as unhas no parlamento, oh meu deus! – a minha vida, a vossa e a dos outros 10 milhões – reduzida a isto: tricas, coisas que valem zero e o essencial, o foco, todo perdido.

E depois, no meio dos dias, a epifania dentro do supermercado. Na manhã das compras, no bulício do anonimato, o segurança que deixa a vigilância esquecida e vai – todo português, todo hospitalidade, todo solidário e atenção terna – embrulhar a caixa de Ferrero Rocher que o octogenário acabou de comprar.

E é nesse momento, mágico, que tudo o resto desaparece e o País se torna grande

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