Vale a pena

O que observo, num país em crise permanente há bem mais de 100 anos, é a degradação da qualidade do Estado e dos seus serviços, da qualidade e justeza das políticas públicas sempre muito mal preparadas e estudadas, e da qualidade e dimensão das pessoas que elegemos para tomar decisões. A sensação de impotência que […]

  • 10:46 | Sexta-feira, 15 de Agosto de 2014
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O que observo, num país em crise permanente há bem mais de 100 anos, é a degradação da qualidade do Estado e dos seus serviços, da qualidade e justeza das políticas públicas sempre muito mal preparadas e estudadas, e da qualidade e dimensão das pessoas que elegemos para tomar decisões. A sensação de impotência que nos assola e nos remove o ânimo para fazer diferente, e ao mesmo tempo nos paralisa aturdindo a atitude cívica inconformada, moralizadora e a vontade de dizer “basta”, é bem descrita pela frase que mais ouço: “não vale a pena”. É interessante verificar que nada disto é novo e tem vindo a ser escrito ao longo dos tempos, como fez, por exemplo, Ramalho Ortigão em 1890 num texto intitulado “A última crise”. Ou seja, todos estes efeitos têm já dimensão cultural.
Mas tem de valer a pena. É preciso aprender as lições das crises por que vamos passando e exigir que sejam realizadas as medidas corretivas, e responsabilizadas as pessoas e instituições envolvidas. Caso contrário andaremos de crise em crise, a repetir erros, a eleger quem não merece, a deixar passar aquilo que é inaceitável a todos os níveis.
Por isso me impressiona muito todo este caso do BES/GES/BANCO BOM/BANCO MAU, bem como tudo o que se revelou, para além das consequências e contágios a outras empresas tidas como modelo (a PT, por exemplo). E de nada valem os múltiplos avisos para estar sossegado, como se a vida pública fosse um permanente combate entre “eles” e “nós”, sem sentido e sem uma relevante correlação com o interesse público. Não, não sou solidário. Ou por outra sou, mas com o país, com a democracia e com a liberdade. Não incluo, conscientemente, organizações (que devem existir somente para servir) nem a minha circunstância pessoal nessa lista de prioridades.
Na quinta-feira ficamos a saber, pela auditoria interna da PT, que o CEO (Zeinal Bava) e o Chairman da PT (Henrique Granadeiro), altamente premiados internacionalmente pela sua genialidade na gestão empresarial e condecorados pelo nosso Presidente da República com as mais altas comendas do Estado, não sabiam como era aplicado o dinheiro da empresa (recebiam uns resumos manhosos e adulterados – lá está, foram também “inexplicavelmente” enganados), não sabem ainda hoje quem autorizou a aplicação de 700 milhões no GES (uns trocos, mais do que o Estado gasta por ano em todas as Universidades Portuguesas) e tomavam decisões sobre o BES e GES com Morais Pires que era ao mesmo tempo Executivo do BES e não executivo da PT. Só tenho uma palavra para tudo isto: IMORAL.
Para quem ainda não percebeu, é altura de ter tudo cristalino, bem explicadinho e ser capaz de responsabilizar duramente quem cometeu fraudes, mas também quem ajudou e foi cúmplice, quem se calou e as permitiu e quem sabia e nada fez. É preciso também saber por que razão a regulação e a supervisão voltaram a falhar e tirar todas as consequências. São planos muito diferentes, o da fraude e o da falha da regulação e da supervisão, mas precisam ambos de intervenção com esclarecimento URGENTE de responsabilidades. Exigir tudo isto é a obrigação de todos nós. Desculpem insisto: “vale a pena”.
E continuo a insistir afirmando que essa atitude de todos é essencial para o futuro do país. Não aceito ver a população a encolher os ombros e a dizer que “não vale a pena”, ou a aceitar que em Portugal acontecem coisas “inexplicáveis” como disse o Ministro da Economia. Exijo que sejam explicáveis, explicadas, julgadas, punidas e adotadas medidas para que não voltem a acontecer. Desculpem mas tem de “valer a pena”.
Para quem ainda não percebeu, repito as palavras de Francisco Sá Carneiro:

“Mais importante do que a doutrinação é levar as pessoas a PENSAREM, a CRITICAREM, a DISCERNIREM. Nem se estranhe que pensemos o Partido também como difusor de ideias, como estimulante da acção e da crítica pessoais. Se não formos também isso renunciaremos à dimensão cultural e ética da política, transformá-la-emos, e a toda a nossa acção, em mero jogo de vulgaridades que só os medíocres e oportunistas aceitarão.”

Arrisco dizer que é esta prática que terá algum efeito ESTRUTURAL.
 


(Publicado no Diário As Beiras de 15 de Agosto de 2014)

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Publicado em Opinião