Timor-Leste, um país à espera…

Na data que escrevo este extenso artigo de opinião está vencida uma das condições para que o Presidente da República de Timor-Leste, Francisco Guterres Lu-Olo se tenha que pronunciar sobre o actual impasse politico que vive uma das democracias mais bem-sucedidas do Sudeste Asiático. São passados 6 meses desde a data de 22 de Julho […]

  • 11:50 | Domingo, 21 de Janeiro de 2018
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Na data que escrevo este extenso artigo de opinião está vencida uma das condições para que o Presidente da República de Timor-Leste, Francisco Guterres Lu-Olo se tenha que pronunciar sobre o actual impasse politico que vive uma das democracias mais bem-sucedidas do Sudeste Asiático. São passados 6 meses desde a data de 22 de Julho de 2017 em que se realizaram as ultimas eleições parlamentares e de acordo com a Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL), pode agora, entre outros cenários, dissolver o Parlamento Nacional e convocar (ouvidos os partidos com assento parlamentar) eleições antecipadas, ou encontrar uma outra solução dentro da actual configuração parlamentar dado que  a actual, com o partido vencedor, a Fretilin em coligação com o PD, não conseguem ultrapassar o bloqueio que a maioria dos deputados da oposição em coligação no Parlamento, CNRT, PLP e KHUNTO impuseram ao longo do mandato. Inicialmente, os 35 deputados da oposição rejeitaram o programa do VI Governo, de seguida recusaram debater o Orçamento Rectificativo e finalmente impuseram a discussão de uma moção de censura ao Governo a ser debatida em 31 deste mês, se entretanto o Presidente não anunciar outras alternativas politicas para o país.

Paradoxalmente, numa data em que a Freedom House marca Timor-Leste como país livre em termos de liberdades civis e políticas, expressando o resultado das eleições da última década, concordando terem as mesmas sido consideradas livres e justas, esta situação de “contar cadeiras no Parlamento” tende a estagnar o país e a criar uma atmosfera asfixiante na economia dependente do petróleo em que o país se tem sustentado. Apesar de a liberdade de associação e expressão serem no geral respeitadas e da existência de uma esfera pública animada e de uma competição vigorosa entre os partidos, muitas das instituições formais do país funcionam ainda de forma incipiente, são notórias as restrições e limitações infraestruturais, a qualidade e capacidade da imprensa é ainda muito limitada, os níveis de educação e alfabetização da população têm melhorado mas são ainda baixos, a corrupção precisa de melhor combate bem como a desigualdade social pelo que, o caminho para um regime politico onde todos os cidadãos gozem de igual proteção nos termos da lei ou acesso igual a direitos básicos, como educação e saúde, ainda é longo.
Esquecidas parecem estar as interferências politicas no sistema judicial, especialmente depois de 2014, ou os medos de transtorno social violento que entrou em erupção em 2006-2007, e é sentimento comum que a maioria dos timorenses rejeita essa recorrência, facto de maturidade percebida ao longo destes 6 meses de tensão politica, em que fica também notório que a política democrática em Timor-Leste ainda permanece fortemente marcada pelo legado de luta de guerrilha contra o invasor. Os partidos políticos parecem estar ainda muito enraizados nas redes de resistência armada ou clandestinas, e os heróis do movimento ainda dominam a política nacional. Grande parte da cobertura da imprensa internacional das eleições de 2017 centrou-se na competição entre os dois principais partidos encabeçados por figuras da resistência – o Congresso Nacional para a Reconstrução de Timorense (CNRT) e a Frente Revolucionária de Timor-Leste independente (Fretilin) – bem como sobre se a agressividade que havia marcado as corridas passadas se repetiria. No final, a eleição foi notavelmente bem gerida e pacífica com a Fretilin a assumir a vitória por uma “cadeira” sobre o CNRT, levando a uma mudança de governo. No jogo de poder que se seguiu, a instabilidade tomou lugar e o dialogo inicial das partes foi-se deteriorando, tendo a marcação de eleições antecipadas entrado no discurso politico e, parece ser a alternativa que colhe mais adesão junto da sociedade civil. Aqui chegados, coloca-se uma pertinente questão, a de saber, se neste figurino de eleições antecipadas há condições no eleitorado para que um dos adversários políticos assuma a maioria ou se pelo contrário há o risco de perpetuar no tempo este impasse levando nesse caso ao colapso de Timor-Leste como país.
Um aspecto pouco comentado das eleições de 2017, no entanto bastante intrigante, tem a ver com o clientelismo, a compra do voto. Em muitos países vizinhos de Timor-Leste, a compra de voto, em que os delegados dos partidos distribuem pagamentos em dinheiro diretamente aos eleitores individuais, é um lugar comum. Em contraste, esta prática se teve lugar em Timor-Leste, pouco terá representado no eleitorado. Vejamos, sob o ponto de vista político e sociológico, em tempos de eleições legislativas, qual tem sido o comportamento do eleitorado timorense desde as eleições para a Assembleia Constituinte em 2001, passando pelas eleições parlamentares de 2007, e de 2012, para melhor se perceber quais são os partidos políticos e coligações que perdem eleitorado, os que são regulares e os que têm ganho eleitores.
Parece evidente que nesta última década o eleitorado dos 2 grandes partidos, FRETILIN e CNRT se estabilizou bem como assim do PD que tem sido parceiro decisório na governação. Os eleitores dividem assim as suas preferências em cerca de 50% pelos 2 grandes partidos, a Fretilin com Mari Alkatiri e o CNRT com Kay Rala Xanana Gusmão e os restantes 50% dividem os seus votos pelos pequenos e numerosos partidos concorrentes às eleições numa lógica quase grupal ou familiar.
Timor-Leste é um dos países mais pobres do Sudeste Asiático e ao longo da última década, desenvolveu uma política de subsidio e distribuição, facilitada pela riqueza do petróleo, numa preocupação de garantia da paz e estabilidade em detrimento de prioridades de desenvolvimento infraestrutural e económico. Contudo, parece não ser essa a razão essencial que determina o sentido de voto das comunidades, bem assim como a importância das redes organizadas para mobilizar os eleitores e o peso das recompensas materiais parecem ser pouco levadas em consideração nas escolhas de eleitores. A observação da última campanha mostra o ambiente de uma esfera política em que existe uma combinação de escolhas de ordem institucional e legados da era da resistência, em que os partidos e menos os candidatos ocupam o centro das atenções e marcam as escolhas.
Timor-Leste apresenta um modelo alternativo de política eleitoralista – moldado por laços coletivos que envolvem festas, influenciadores locais e contratos, acesso a recursos ou serviços estatais, em vez de compra de votos individuais pelos políticos.
Nas aldeias, os principais partidos apoiam-se em redes de militantes para mobilizar os eleitores, e em comícios e festas. É importante dizer que uma das poucas formas de clientelismo partidário que parece generalizada – a oferta de merchandising do partido e transporte para comícios do partido – visa em primeiro lugar aumentar a visibilidade do partido.
O sistema eleitoral fortemente focado no partido e a representação proporcional de lista fechada dos deputados, ajudou a produzir este estado de coisas mas os legados da luta de libertação de Timor-Leste também desempenham um papel crucial e fundamental na formação e sustentação das lealdades partidárias e do sentido de voto. A população do país está profundamente comprometida politicamente, e muitos eleitores seguem escrupulosamente a indicação do sentido de voto dos veteranos do movimento de independência. Isso significa que os padrões de votação geralmente refletem afiliações políticas e militares históricas. Por exemplo, desde as primeiras eleições democráticas em 2001, o leste do país tem sido um baluarte da Fretilin, a vanguarda do movimento da independência dos anos 70. O CNRT baseia-se fortemente na autoridade e no apelo carismático de seu comandante fundador-guerrilheiro e herói da independência Kay Rala Xanana Gusmão, que serviu de 2002 a 2007 como primeiro presidente de Timor-Leste e então de 2007 a 2015 como primeiro-ministro.
Além das redes de libertação, as redes pessoais e familiares tradicionalmente moldaram padrões de votação locais. Dada esta situação, os esforços de mobilização dos partidos focam-se em grande parte na conquista de notáveis locais, como chefes de suco, liurais, líderes de clãs, figuras de autoridade tradicionais e veteranos, cujos pontos de vista são uma influência poderosa sobre eleitores em especial nas áreas rurais, num eleitorado que representa cerca de 40% do total.
Isso não quer dizer que os partidos não tentem usar o patrocínio para expandir suas redes de apoiantes. O CNRT, em particular, manteve o seu lugar no governo, em parte, através da abundante despesa da riqueza do petróleo de Timor-Leste. O partido é uma máquina frouxamente organizada, mas que alimenta a sua militância, distribuindo fundos do governo e outras oportunidades económicas, o que vulgarmente se comenta na praça pública. Embora outros partidos não possuam esses recursos, também se verifica que alguns usam promessas de favor para tentar atrair eleitorado mas no geral, no entanto, a distribuição de curto prazo dos benefícios materiais teve em 2017, nos eleitores, um efeito relativamente marginal sobre o comportamento da votação. São comuns as histórias do eleitor da Fretilin que vai ao comício da CNRT para receber a senha da gasolina para a motorizada e a refeição e que no dia seguinte participa activamente na festa comício do seu próprio partido sendo o contrário também verdadeiro.
Como em muitos países que conquistaram a independência depois de lutas prolongadas, o movimento de libertação pesa muito sobre a política de pós-independência de Timor-Leste. As tensões antigas persistem a partir de desentendimentos sobre a estratégia durante a luta, disputas pessoais entre líderes, argumentos sobre quem mais se sacrificou e dificuldades ligadas à desmobilização de antigos guerrilheiros. Ao contrário de muitos países com dinâmicas semelhantes, no entanto, Timor-Leste evitou escorregar para o autoritarismo definitivo.
O mais militante dos grupos pró-independência da década de 1970, a Fretilin com a sua ala armada Falintil foi a vanguarda da luta pela independência e capitalizou a euforia popular após a independência, nas eleições de 2001 para a primeira eleição da Assembleia Constituinte com 57% dos votos. Em 2002, o herói da resistência, Xanana Gusmão, conquistou uma retumbante vitória nas primeiras eleições presidenciais de Timor-Leste, actuando como independente. Em 1988, durante a luta de libertação, separou as Falintil da Fretilin para fundar o Conselho Nacional da Resistência Maubere, mais tarde renomeado o Conselho Nacional de Resistência Timorense, que ele lidera desde então e esse evento é fundamental para a compreensão das tensões entre Xanana e Fretilin no período de pós-dependência. Curioso, contudo, é ouvir ainda alguns eleitores usarem o chavão: “Apoiar Xanana. Votar Fretilin”
Após a independência, vieram à superfície uma série de inimizades, rivalidades históricas e contemporâneas, culminando no que agora é apelidado de “crise” de 2006. A violência prejudicou as eleições parlamentares de Junho de 2007, as mais “aguerridas” desde a independência. Então como agora, a Fretilin ficou em primeiro lugar, garantindo 29 por cento dos votos, o CNRT ficou em segundo lugar, com 24,1 por cento e após prolongado impasse em que a FRETILIN não conseguiu reunir uma maioria parlamentar, o então presidente Ramos-Horta convidou Xanana a formar governo com uma coligação (CNRT, PD e ASDT-PSD), e Xanana a primeiro ministro. As eleições parlamentares de 2012 viram o CNRT ultrapassar a participação de voto da Fretilin em cerca de sete pontos percentuais e com o apoio de partidos menores, PD e FM (originalmente uma facção dissidente da Fretilin em resultado do Congresso de 2007) , Xanana Gusmão novamente formou governo e a Fretilin assumiu a oposição (o único partido da oposição).
Xanana Gusmão transformou a governação em Timor-Leste. Nos anos seguintes a 2001, dependendo principalmente dos fundos dos doadores, com o primeiro ministro Alkatiri, o país adoptou uma abordagem cautelosa para gerir as parcas finanças. Alkatiri seguiu o conselho do Banco Mundial e outros assessores, estabelecendo um fundo de petróleo para gerir as receitas da fonte primária de renda nacional do petróleo no mar e estabelecendo restrições sobre os levantamentos anuais para proteger os recursos para gerações futuras. Xanana Gusmão após 2007, adoptou uma abordagem mais expansiva. Embarcou em um generoso programa de despesa para garantir a paz social e construir uma coligação de governo estável. O número de serviços civis aumentou quase 46% após 2008 e os salários aumentaram 33 %. No dia seguinte à campanha da eleição de 2012, o governo anunciou que começaria a pagar as pensões devidas a mais de 27 mil veteranos e suas famílias num total de 46 milhões usd. As despesas governamentais em infraestruturas aumentaram drasticamente entre 2008 e 2014, com custos insustentáveis desde então, sem resultados de retorno francamente visíveis na economia ou organização funcional do país. À medida que o governo começou a controlar as receitas do petróleo de forma mais agressiva, Timor-Leste começou a assumir características neopatrimoniais, opção pouco segura quando o próprio saldo do Fundo Petrolífero começou a diminuir em 2015 e a tendência do barril de crude é no contexto internacional o da desvalorização.
Inesperadamente, no mesmo ano, Xanana Gusmão criou uma aproximação política com a Fretilin, e especialmente com Mari Alkatiri. Em Fevereiro de 2015, Xanana Gusmão demite-se de primeiro ministro, entregando as rédeas do governo ao quadro da Fretilin e ex-ministro da Saúde, Rui Maria de Araújo. Dois anos antes, Alkatiri havia sido encarregado do projeto ZEESM em Oé-cusse, território timorense geograficamente isolado, um enclave ocidental na costa norte de Timor, que está inteiramente cercado em terra pelo território indonésio. Este movimento foi amplamente visto como uma tentativa de apaziguar e marginalizar simultaneamente o antigo primeiro-ministro da Fretilin. Na eleição presidencial de Março de 2017, o apoio pessoal de Xanana Gusmão ajudou o líder da Fretilin Francisco “Lú-Olo” Guterres a marcar uma vitória convincente, vitória essa agora de sabor amargo nesta fase em que terá que decidir sobre a vida politica do seu país e daqueles que o apoiaram de uma forma ou de outra.
Este foi o pano de fundo político para as eleições de 2017. A campanha viu aparecerem 21 partidos concorrentes para 65 assentos no parlamento nacional. Apenas cinco desses partidos, no entanto, atingiram o limite de 4% necessário para garantir a representação parlamentar. A Fretilin colocou-se em primeiro lugar, pelas margens mais estreitas: os 29,7 por cento dos votos eram apenas cerca de mil votos (de um total de aproximadamente 568 mil votos válidos) à frente dos 29,5% do CNRT, com 23 deputados para a Fretilin e 22 para o CNRT. A lista dos partidos parlamentares foi engrossada com o novo Partido da Libertação Popular de Taur Matan Ruak que não concorreu a segundo mandato presidencial (PLP) com 10,6% e 8 lugares, o PD com 9,8% e 7 lugares e o Khunto com 6,4 por cento e 5 lugares.
A campanha seguiu um caminho moldado por legados históricos, bem como por um sistema eleitoral que coloca os comícios na frente. Sob a tutela das Nações Unidas, Timor-Leste adotou um sistema de lista fechada com uma única área eleitoral nacional. Ao invés de escolher candidatos individuais, os eleitores simplesmente votam no símbolo de um partido na urna com os lideres mais conhecidos a encabeçar a lista dos deputados sendo que obrigatoriamente em cada 3 deputados um terá que ser uma mulher, facto louvável e diferenciador das democracias desta parte do globo.
As propagandas de campanha enfatizavam os líderes nacionais, os símbolos do partido e parte dos programas nacionais. O CNRT apostou no rosto e figura de Xanana Gusmão, a Fretilin com uma campanha mais organizada e profissional promoveu o programa e os compromissos genéricos para melhorar educação, saúde, os serviços, gerando mais emprego e melhorando o turismo. Os demais partidos incluindo o novo PLP cuja ideologia politica não chegou a ser apresentada, em vez de apelos políticos, tendem a contar com redes informais e estruturas partidárias, juntamente com lealdades históricas, para obter votação.
Esta dependência do legados da luta de libertação ajuda a explicar um padrão impressionante no apoio da Fretilin: o partido mobilizou essencialmente a mesma base em todas as eleições. Em 2017, o percentual de votos da Fretilin revelou-se praticamente idêntico ao que ganhou em 2012 e 2007. Geograficamente, além de mudanças em algumas áreas, o suporte regional da Fretilin permaneceu notavelmente estável. As lealdades pessoais e familiares à Fretilin, estabelecidas durante a luta de libertação, permanecem hoje salientes; do outro lado da moeda, queixas e rivalidades que remontam a esse tempo ainda limitam a capacidade do partido de expandir sua base.
O outro grande partido de Timor-Leste, o CNRT, combina as características de uma festa construída em torno do líder carismático Xanana Gusmão e de uma mecânica patronal. Muito do seu eleitorado para explicar por que eles apoiam o CNRT respondem simplesmente: “Xanana”. A propaganda apresenta a sua imagem e pouco mais, e ele foi a principal atração nos comícios do partido – falando em grande extensão, cantando e até mesmo envolvido em cerimónias quase-espirituais coreografadas em que, por exemplo, apoiantes de outras partes foram “convertidos” para o CNRT ou crianças lançaram pombas significando um futuro pacífico sob a liderança de Xanana. Como em campanhas eleitorais anteriores, a mensagem central de Xanana foi de que a continuação de segurança e estabilidade dependem das despesas de infraestruturas por parte do governo, e não de prioridades “impostas pelo estrangeiro”, como saúde e educação. O CNRT não é um partido de massas do modelo Fretilin, e em vez disso, ele se baseia em influenciadores locais ou, “pessoas que podem facilmente reunir as pessoas”, para decidir o voto no partido.
O novo partido com algum sucesso nestas eleições de 2017 foi o PLP. A sua figura nacional mais importante é José Maria Vasconcelos, popularmente conhecido como Taur Matan Ruak, comandante da ala armada do movimento de libertação no final da ocupação indonésia e ex Presidente da República no mandato 2012-17. Durante sua presidência, ele construiu uma reputação como um crítico da corrupção oficial tendo chegado a apontar como causa principal Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, os quais comparou a Suharto. Este partido apresentou uma crítica fortemente programática do governo, exigindo uma purga de corrupção, o fim dos privilégios políticos (incluindo a pensão vitalícia amplamente impopular para os parlamentares e críticas ferozes aos projectos do Tasi Mane e da ZEESM) e gastos mais efetivos em programas de assistência social e infra-estrutura local, como água e saneamento. Ganhou apoio significativo das classes médias urbanas, e no leste, especialmente no município de Baucau, local de nascimento de Taur Matan Ruak. Muitos observadores veem os sinais de sucesso do PLP num novo eleitorado politicamente alfabetizado emergente tendo ao mesmo tempo, apostado fortemente na lealdade das redes de veteranos da resistência na região de origem de Taur Matan Ruak, onde o PLP obteve quase um terço de seus votos. Sem ideologia afirmada e rendido aos jogos do poder após as eleições de 2017 tem a base de eleitorado em que apostou comprometida face às criticas de incoerência politica a que se sujeitou para garantir o protagonismo politico que lhe garanta acesso ao poder e mediatismo em futuras eleições.
Os dois outros partidos que também ganharam cadeiras no Parlamento foram o PD e Khunto. O PD foi estabelecido por ex-membros da Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste (RENETIL), um movimento clandestino de estudantes timorenses na Indonésia, criado para difundir a questão de Timor-Leste nos meios académicos que era talvez o mais importante movimento entre jovens timorenses estudando na Indonésia. Desde 2007, no entanto, tornou-se parceiro do governo de Xanana. Para a sua base de eleitores, o PD contava com a figura carismática do já falecido Fernando “Lasama” de Araújo e depende em grande parte de redes familiares e outras redes informais no oeste do país. A aposta em descolar da imagem de partido satélite CNRT e a coligação com a Fretilin podem contribuir para sustentar a base eleitoral e até alargar o seu numero de simpatizantes em futuras eleições. O Khunto, que ganhou seus primeiros lugares em 2017, apoia-se nos membros dos vários grupos de artes marciais, entre eles, o Wise Children of the Land (KORK) – liderados pelo marido da líder de Khunto – e redes familiares associadas. Os grupos de artes marciais são uma instituição social importante entre os jovens, especialmente os homens, em Timor-Leste. Também sem ideologia politica conhecida apostou directamente na cultura quase-mística dessas organizações e, os partidários do Khunto fizeram juramentos de sangue enfatizando a sua lealdade ao partido mas apesar das anunciadas 89 mil pessoas que terão efectuado os tais juramentos de sangue, o Khunto só fidelizou 37.500 votos. Poderá, em futuras eleições, ter muita dificuldade, dada a fraca prestação parlamentar, em alargar a sua base de apoio. Parece também haver neste eleitorado um razoável número de eleitores jovens, desconhecedores das razões históricas e ignorados pelo processo de desenvolvimento que procuram alternativas à manifestação do seu descontentamento. Este eleitorado é ainda livre de escolhas e pode jogar a favor do projecto que melhor os cativar.
De forma geral, os partidos concentraram-se em garantir a lealdade dos notáveis ​​locais. Na sociedade principalmente agrária de Timor-Leste, líderes de nível comunitário não só exercem autoridade, mas também podem ajudar os cidadãos a obter emprego, assistência governamental ou outros benefícios. Esses líderes locais incluem chefes de suco, aldeia, chefes de clãs, autoridades tradicionais conhecidas como liurai e lia na’in, funcionários públicos e veteranos, muitos dos quais se transformaram em empreiteiros de construção e empresários e, portanto, controlam o acesso a projetos de desenvolvimento a nível local. O poder de oferecer empregos e outros benefícios reduz a influência que os veteranos em particular têm disfrutado, influência ganha graças às suas credenciais de luta de libertação. A este respeito, as redes clientelistas também se fundem com legados históricos da era da resistência.
Estas dinâmicas significam que os líderes da comunidade são altamente influentes na definição das preferências dos eleitores. Os 40% dos eleitores das áreas rurais contam com líderes locais para obter informações, uma circunstância que dá a esses líderes consideráveis capacidade de influência sobre as decisões dos eleitores. Portanto, é razoável acreditar que os líderes de recrutamento, em alguns casos mediante a concessão de contratos governamentais ou lançamento de projetos de desenvolvimento, garantam a maioria dos votos na aldeia. Se atentarmos na dimensão do local de voto constatamos que existem partidos que obtêm mais de 60% dos votos em muitas aldeias que de acto eleitoral para acto eleitoral mudam as suas lealdades em massa de um partido para outro. Ter garantido acesso a recursos do Estado é, obviamente, um benefício para conquistar líderes da comunidade sendo que no caso de 2017, o partido mais favorecido a este respeito foi o CNRT, que dominou o governo na década anterior.
Embora a falta de leis robustas sobre o financiamento partidário e das campanhas e sem fiscalização efectiva não permita saber o montante exacto gasto pelos partidos, há sinais na opinião pública que sugerem que o CNRT teve de longe a campanha mais generosa dos partidos que disputaram a eleição e outros afirmam ter havido distribuição de dinheiro aos coordenadores do partido, que terão dividido o dinheiro entre um punhado de quadros do partido (causando ressentimento entre os excluídos). Aparentemente estes esforços do CNRT foram muitas vezes ineficazes, presumivelmente porque grande parte do seu financiamento acabou sendo mal orientado ou absorvido nas filas do meio do partido sem oferecer benefícios aos eleitores comuns.
“Se o suco precisar de uma estrada, eles prometerão uma estrada. Se eles tiverem arrozais, eles irão prometer irrigação, se você não votar por nós, você terá dificuldades quando você quer lidar com o governo para obter um certificado de terra, etc” são algumas das artimanhas usadas para conquistar um eleitorado que não procura discutir as linhas programáticas dos partidos e que não assistem aos debates dos candidatos, quando eles existem, mas ainda assim, alguns partidos obtiveram ganhos reais criticando o desempenho do governo e prometendo uma melhor prestação de serviços, o que também não deixa de ser um indicador da maturidade do eleitorado.
Em muitos aspectos, Timor-Leste continua altamente dependente das receitas do petróleo e tem experimentado cada vez mais dinâmicas, muitas vezes vistas como elementos de uma “maldição dos recursos” – uma escassez de diversificação que poderia tornar a economia menos dependente do apoio estatal. No entanto, enquanto os elementos da política de patrocínio eram visíveis na campanha, em comparação com a dinâmica observada na Indonésia e nas Filipinas, o clientelismo em massa é limitado em Timor-Leste. A política de patrocínio ocorre principalmente ligando partidos com notáveis da comunidade, e não com eleitores comuns. De muitas formas, então, essa democracia ainda jovem oferece terreno fértil para explorar o impacto das novas tecnologias, redes sociais e novas formas de comunicação sendo que à medida que as novas gerações superam em número os eleitores com memórias pessoais do período de resistência, a evolução dessas redes, juntamente com a capacidade dos partidos para construir imagens com sucesso que ultrapassam os legados de resistência, pode determinar a forma dos futuros alinhamentos partidários.
No presente, há ainda muitas variáveis em aberto sendo de considerar que, num cenário de eleições antecipadas, poderão acontecer coligações pré-eleitorais para combater a bipolarização partidária ou o receio de maioria de um deles mas no curto e médio prazo, no entanto, o retorno da incerteza política após as eleições de 2017 provavelmente aumentará as pressões para a política de subsidio, pelo menos ao nível de elite. Anteriormente, a distribuição do patrocínio, combinada com a autoridade pessoal de Xanana, facilitou o sucesso político do CNRT e permitiu reforçar coligações, mesmo sem uma base política de militância significativa. No entanto, a Fretilin também enfrentará pressões para distribuir regalias a apoiantes e militantes, para amenizar rivalidades antigas, para proceder a saneamentos políticos e à nomeação de cargos e assessorias partidarizadas. As receitas disponíveis para projetos de desenvolvimento, contratos de construção, empregos estatais e outras formas de generosidade do estado não são inesgotáveis, e o governo liderado pela Fretilin (se sobreviver) provavelmente não desejará continuar com o modelo anterior de despesa do Estado.
Na secretária e na mente do Presidente estarão agora por certo todas estas preocupações. Que decisão tomar para devolver ao país a estabilidade governativa e a confiança na economia que seja geradora de desenvolvimento, redutora da pobreza e desigualdade social e capaz de atrair investimento privado? Convocar novas eleições num eleitorado que tendencialmente não altera o seu sentido de voto caindo em igual espectro politico que não permite negociações ou acordos adiando por mais um ano o marasmo em que o país caiu? Chamar à governação a AMP num modelo semelhante a 2007 ignorando a escolha popular e condenando a Fretilin, partido vencedor de 2017 a um determinismo histórico que não permitirá pactos de regime ou reformas estruturais do Estado? Congregar as forças politicas num governo de iniciativa presidencial sabendo que não há consensos capazes de resistir às agruras e desgostos políticos de um passado tão recente?
Segue-se agora um longo e penoso caminho decisório do Presidente. Convocará os 17 membros do seu Conselho Consultivo, auscultará as cinco forças politicas presentes no Parlamento, aconselhar-se-á com lideres consensuais e históricos como José Ramos-Horta e muitos outros, ouvirá a sociedade civil, escutará a Igreja, sentirá o pulsar do povo mas no final, terá que decidir sozinho. Da sua escolha resultará o progresso esperado ou o colapso de um povo. Da sua decisão está agora suspenso um país!
Fernando Figueiredo


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