Portugal não tem dimensão para ter “interior”

Com o convite feito a Pedro Passos Coelho (PPC) para ser Professor Catedrático Convidado numa Universidade Pública Portuguesa, apareceram logo as claques, sempre conhecedoras de tudo.

  • 13:21 | Sábado, 03 de Março de 2018
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Um país tão pequeno como Portugal não tem dimensão para ter as diferenças que se observam entre as regiões que estão junto ao mar (litoral) e as que estão mais afastadas (interior). O facto de essas diferenças existirem – e até serem muito preocupantes – é bem exemplo do falhanço completo das políticas públicas de gestão do território, bem como de todos os programas de financiamento baseados em fundos comunitários de coesão e desenvolvimento regional. Quando se aproxima mais um programa quadro e os partidos discutem quais devem ser as suas prioridades e respetiva configuração, valeria a pena um exercício de humildade e de mea culpa de todos os partidos e governantes que tiveram responsabilidades nestas áreas. Em Portugal, 80% das pessoas vivem em 20% do território, associado aos grandes aglomerados urbanos colocados no litoral, e 20% das pessoas vivem nos restantes 80% do território, associado aos locais de interior. O despovoamento que se observa é acompanhado pela desertificação económica e empresarial, o que agrava as capacidades de atração desses territórios. Até hoje, para além de muito desperdício, os fundos comunitários foram usados para infraestruturas, equipamentos vários, formação profissional, apoio à indústria e outras atividades económicas e inovação nas empresas (com o apoio das instituições científicas e tecnológicas). A prioridade foi dada às infraestruturas e equipamentos, que foram sendo reivindicadas pelos vários locais do país. Nunca os Governos foram capazes de definir um plano de desenvolvimento do país que fosse usado como um guia para o investimento e para a respetiva avaliação: aliás, avaliação é coisa que não existe. Isso significaria que teriam sido feitos acordos de médio e longo prazo que projetavam o país no futuro. No entanto, como existiam (e existem) demasiadas clientelas que precisam dos fundos comunitários para mostrar serviço e ganhar eleições (gostem, ou não, os fundos foram usados para comprar votos), os programas de financiamento ficaram sempre pelas boas intenções que esbarraram sempre nos interesses de alguns. Ao ponto de termos hoje um conjunto gigantesco de infraestruturas, muitas abandonadas (veja-se o aeroporto de Beja, muitos dos parques empresariais e tecnológicos, e muitos dos equipamentos municipais que tiveram de fechar, um pouco por todo o país, por incapacidade orçamental de os manter em funcionamento), que não têm nenhum plano de partilha ou gestão conjunta intermunicipal ou inter-regional. Para além disso, não foi criada a ideia de que Portugal precisa de fazer fluir os seus recursos por todo o território, tirando partido da diversidade que felizmente se observa. Essa partilha de recursos possibilitaria interligar as regiões, criar projetos em parceria e definir planos de diferenciação que permitiriam sustentar o investimento que foi feito em infraestruturas.

Consequentemente, o novo programa de financiamento deveria ter os seguintes objetivos principais:

1) Rejeitar por completo o investimento em infraestruturas. Tirando a modernização da ferrovia, e casos pontuais que continuam sem resolução, o país tem as infraestruturas de que precisa e tem agora de as rentabilizar e manter;


2) Definir um plano a médio e longo prazo de desenvolvimento do país, que tenha as regiões como vetores essenciais. Esse plano, que deveria definir áreas prioritárias, deveria ter o objetivo duplo de reforçar a nossa capacidade de atrair investimento direto estrangeiro e de reforçar um tecido produtivo que tem a capacidade de se diferenciar e competir;

3) Nessa perspetiva, as regiões deveriam definir planos regionais de desenvolvimento que fossem diferenciadores de cada região e permitissem atrair pessoas, investimento e atividade económica. É essencial nesses planos regionais a parceria com instituições de I&D nacionais, da região ou de fora dela, que possam ser suporte de uma atividade continuada;

4) Reforçar o incentivo à colaboração inter-regional, permitindo que instituições e pessoas desloquem meios para vários locais do território. Não faz o menor sentido que um país com duzentos e poucos quilómetros de largura e pouco mais de 800 quilómetros de comprimento não seja capaz de distribuir por todo o território a competência técnica e científica que foi capaz de desenvolver;

5) Reorganizar administrativamente o país de forma a reforçar a capacidade de decisão local, aumentando a responsabilização sobre essa tomada de decisão. Esse é um passo essencial, até para uma mudança cultural e de protagonistas, pois só assim será possível desenvolver uma cultura que veja o território como um todo e não permita desvios que têm por base interesses de pequenos grupos;

6) Reforçar a qualidade dos recursos humanos, promovendo ações de formação que tenham as áreas estratégicas do país em linha de vista;

7) Reforçar os mecanismos de apoio à inovação empresarial e de emprego de jovens com elevada formação (mestrado e doutoramento).

O país tem de ser percecionado como estando preparado para o investimento, mostrando que deu os passos necessários para o receber e acompanhar. Se isso não acontecer, vendo o país como um todo, continuará o desenvolvimento desequilibrado do país, observando-se a vergonhosa diferença entre litoral e interior, e permanecerá adiado um território que tem condições para ser um dos mais desenvolvidos da Europa.

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Publicado em Opinião