“Gramática do Inferno”

Acreditamos que só o mais profundo e exacerbado dos desesperos pode levar uma mãe a abandonar seu filho. Ou um filho a abandonar seu pai… Atrocidades, ambas.

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  • 16:03 | Terça-feira, 07 de Dezembro de 2021
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(…) “o povo, como qualquer país à beira mar plantado, vergava sob impostos pesadíssimos, corrompendo na miséria e na escuridão.”
Aquilino Ribeiro, O Livro do Menino Deus, Bertrand, 1945

 

Numa sociedade, os idosos e os recém-nascidos são as duas franjas etárias mais frágeis. Se os anciãos são descartáveis como as Bic’s – honra às exceções – num país com uma tão acentuada quebra demográfica deveríamos esperar que os segundos fossem tão abençoados como a chuva cálida depois da longa seca.


Mas não. Hoje, como se tornado hábito, já não preocupante mas alarmante, há mães a dar à luz e a “largar” os filho nas maternidades – o lugar da “mater”. Não há competência para julgar um ato deste teor. E falar em desumanidade é simplista. Acreditamos que só o mais profundo e exacerbado dos desesperos pode levar uma mãe a abandonar seu filho. Ou um filho a abandonar seu pai… Atrocidades, ambas.

Que maculada cegueira nos tolda a vista e não nos deixa ver quem são os idosos de amanhã. Aqueles que irão ser deixados entregues a si e ao seu temível destino: morrer sozinho pelos filhos desprezados, como nascer sozinho, fugida a mãe a seguir ao parto.

Questão cultural? Só muito parcialmente. Há tribos no mais recôndito sertão que festejam e acarinham tanto os nascituros como os anciãos. Questão económica? Será ela o cerne da questão. Mas é certo também que há famílias tão pobres como Job ou os Fandingas e onde avô e neto nunca foram repudiados.

Sinais e reflexos dos tempos? Absolutamente. Uma sociedade decadente e amoral, sem valores, é geradora de todas as vilezas. A Escola desprestigiada e agora, ao que se diz, em vias de se tornar luxo de elites; filhos deficientemente formados que irão ser pais com défices de educação acentuados; um neoliberalismo tresvairado e insano que despreza o ser humano, só o apreciando como besta de carga; políticos-governantes espelhando as piores e mais estigmatizantes práticas… tudo conjugado, que sociedade geradora de afetos e valores esperávamos encontrar? Batedores do Inferno não alcançam Paraíso…

 

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Publicado em Editorial