"Esta gente"

Há uma coisa que já há muito tempo decidi fazer: desistir de perceber e adicionar lógica à esquizofrénica vida política nacional. E manifesto a minha total incredulidade com a reação dos cidadãos que numa crescente maioria se preferem alhear, ignorar e deixar de intervir. A qualidade das escolhas é por isso, com a responsabilidade de todos […]

  • 16:47 | Quarta-feira, 24 de Setembro de 2014
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Há uma coisa que já há muito tempo decidi fazer: desistir de perceber e adicionar lógica à esquizofrénica vida política nacional. E manifesto a minha total incredulidade com a reação dos cidadãos que numa crescente maioria se preferem alhear, ignorar e deixar de intervir. A qualidade das escolhas é por isso, com a responsabilidade de todos nós, cada vez mais medíocre. E de medíocres só se pode esperar aquilo que observamos: mediocridade, enganos, muitos enganos, ausência de planeamento, ausência de sentido crítico, ausência de comportamento previdente e cauteloso, ausência de debate, ausência de sentido de Estado, ausência completa de propósito, desencontro com a realidade e uma desesperante tendência para a acomodação.
Na minha forma de encarar o mundo a política emerge como um serviço público, uma tarefa de cidadania, na qual se está por missão enquanto essa missão fizer sentido e for útil, sempre no fio da navalha e no limite do risco; como alguém dizia, vivendo como se pensa sem pensar como se viverá . De forma alguma deve ser uma carreira. Quem não tem outra vida e faz da política a sua forma de estar, não é útil, não fará nenhum tipo de transformação e tenderá a proteger-se, rodeando-se de pessoas pouco competentes e cheias de certezas, sendo totalmente incapaz de qualquer rutura, reforma ou ação que compreenda o mínimo risco.
Recuso totalmente essa abordagem. Recuso totalmente o inerente populismo e demagogia.
Não vi os debates entre o António José Seguro e o António Costa. O que li nos jornais e ouvi na rádio sobre esses debates deixam-me uma certeza: não perdi nada, antes pelo contrário. É tudo mau demais.
Nenhum deles, como aliás nenhum dos outros, percebe ou quer dar exemplo nem que essa atitude é a única forma de mobilizar a nação. Nenhum está interessado nisso. Usam os lugares como trampolim para outros mais apetecíveis, quando o risco diminui. Porque na verdade, o que importa é a carreira política e um percurso visto como “profissional”.
É legitimo concluir que as “portuguesas e os portugueses”, como eles costumam dizer, não contam ou contam muito pouco para a ação política. Quando todos nós nos apercebermos disso, e começa a tardar de facto, fará todo o sentido o poema de Sophia “Esta gente”. Até lá é só um poema dessa fabulosa escritora e mulher.
 
Esta gente
“Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis
Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre
Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome
E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada
Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo”
Sophia de Mello Breyner Adresen, in “Geografia”

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Publicado em Opinião