Assessores

Fui fazer uma simples pesquisa na base de dados de contratos públicos (base.gov.pt). Selecionei a Câmara de Lisboa. Confesso que a minha curiosidade decorreu do recente caso Robles, isto é, do vereador que também era especulador imobiliário e que se demitiu depois de se ter verificado que o seu discurso político estava desajustado da sua […]

  • 14:07 | Sábado, 11 de Agosto de 2018
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Fui fazer uma simples pesquisa na base de dados de contratos públicos (base.gov.pt). Selecionei a Câmara de Lisboa. Confesso que a minha curiosidade decorreu do recente caso Robles, isto é, do vereador que também era especulador imobiliário e que se demitiu depois de se ter verificado que o seu discurso político estava desajustado da sua prática pessoal. Se na referida base de dados colocarem o nome “Ricardo Robles” no campo “Contratos” obtêm os contratos feitos para assessores do seu gabinete na CML. Estamos a falar de 10 assessores, quase todos do seu partido (8), a que corresponde um custo de cerca de 1.2 milhões de euros para os 4 anos do mandato. Bolas! Um milhão e duzentos mil euros em assessores? 10 assessores para um único vereador?

Fui repetir a mesma pesquisa para outros vereadores da CML. O vereador Duarte Cordeiro tem 8 assessores que nos custam cerca de 1.3-1.4 milhões de euros. A vereadora Catarina Vaz Pinto tem 9 vereadores que nos custam cerca de 1.5 milhões de euros. Fiz as contas por alto. E fiquei tão irritado que não quis ver mais. Assim, de repente, todos nós gastamos 4.1 milhões de euros nos assessores de 3 vereadores da CML. Faltam todos os outros vereadores com pelouros, a assembleia municipal, os assessores dos vereadores sem pelouros, etc.

Na verdade, a imprensa informou que a CML tem 124 assessores e secretárias para 17 vereadores. Só os vereadores com pelouro têm 55 assessores. Os que não têm pelouro têm apenas um assessor cada um e um administrativo. Para além do pessoal afeto diretamente a cada vereador, os gabinetes de apoios às forças políticas contam com 19 elementos: PS (3), CDS (5), PSD (4), CDU (4), BE (3). A que se somam mais seis funcionários administrativos. Se multiplicarmos tudo isto pelas restantes câmaras municipais do país, empresas públicas, institutos do Estado, etc., ficamos com uma ideia geral da festa que se faz com o dinheiro dos contribuintes. Serão muitas centenas de milhões de euros em assessores. Se utilizarmos a distribuição Robles, isto é, considerarmos que 80% desses assessores são afetos ao respetivo partido, verificamos com facilidade como sobrevive o pessoal político afeto a cada partido, o que são as clientelas, como são pagas (essa é fácil, são sempre os mesmos a pagar – os contribuintes) e por que razão os partidos só são alguma coisa quanto têm lugares de eleição: é assim que contratam “os seus” para o Estado. Lembre-se disto quando um PM qualquer lhe disser que você vive acima das suas possibilidades e, por isso, tem de lhe cortar o subsídio de férias e natal.


Na verdade, a democracia tem custos pelo que devem ser proporcionadas aos eleitos as condições para exercerem cabalmente os seus mandatos. E isso implica equipas de apoio. No entanto, a democracia não é a disponibilização de meios. A democracia é a responsabilidade e o rigor com que se usam os meios proporcionados pelos contribuintes para que os eleitos cumpram o que prometeram fazer, isto é, cumpram o contrato que assinaram em eleições livres e democráticas. Subverter tudo isto, esquecendo que o mandato recebido implica um programa eleitoral que legitima o uso do poder e lhe dá significado, é um forte atentado à democracia e à liberdade.

Contratar assessores para lugares no Estado deveria ser absolutamente proibido. As pessoas necessárias para assessorar os eleitos (todos os eleitos e não só alguns) deveriam fazer parte dos serviços da instituição em causa, em número equivalente ao estritamente necessário e deveriam ser contratadas por concurso público, muito seletivo, escrutinado e transparente. Defendo um mecanismo com um portal online onde todo o processo seja público, incluindo os curricula dos candidatos, e as votações e justificações de cada elemento do júri. Dizer que existem lugares políticos, portanto, que devem resultar de nomeação, é uma evidência: a definição de orçamentos para contratação dessas pessoas pelos eleitos (e não pelo Estado) deveria estar definida em lei e ser totalmente transparente, estando reduzida ao mínimo necessário. Fazer disso a regra geral, isto é, convertendo a exceção na regra, é uma subversão da democracia e o convite ao verdadeiro pântano em que vivemos. Pântano que só pode ter um resultado: gastar todos os recursos dos contribuintes assumindo, ainda por cima, dívidas em seu nome.

A democracia tem custos, mas tem também de ter responsabilidade e rigor, pois os recursos usados não são públicos, mas antes são daqueles que os colocam ao serviço do bem comum (corporizado no Estado). Todo esse processo resulta de uma relação de confiança que legitima a administração desses recursos. Abusar desses recursos, coloca em causa essa relação de confiança que está na base de tudo isto.

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Publicado em Opinião