AQUILINO – “CINCO RÉIS DE GENTE” RECORTES DE INFÂNCIA

11 – BRINCADEIRAS – FRAGÂNCIA DE INFÂNCIA     Nada mais que de ver cativo o meu rico pião, que rodopiava, fungava, adormecia, uma vez lançado ao terreiro com gesto maneirinho; que, aparado para a unha, voltava a bailar, a zumbir e a dormir, até tombar para a banda tonto e esfalfado como um volantim […]

  • 8:00 | Segunda-feira, 23 de Maio de 2016
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11 – BRINCADEIRAS – FRAGÂNCIA DE INFÂNCIA

 

 


Nada mais que de ver cativo o meu rico pião, que rodopiava, fungava, adormecia, uma vez lançado ao terreiro com gesto maneirinho; que, aparado para a unha, voltava a bailar, a zumbir e a dormir, até tombar para a banda tonto e esfalfado como um volantim que deu o alento todo, subiam-me as lágrimas aos olhos.

                  Cinco Réis de Gente, p. 130

O meu cavalo de rodas

Não era só para rodar,

Mal a casa adormecia

Partíamos a galopar.

                                                                                   O Livro de Marianinha, p. 25

 

No remanso da casa de soalho lavado, nas lajes gastas do balcão, no chão térreo do “Pátio dos Sanhudos”, Aquilino, quando ali viveu ainda bem menino, brincou sozinho, depois brincou com o seu irmão, com arados, ancinhos, grades pequeninas e carros de bois com rodas de corcódoa como se estivesse a aprender a lavrador. E ao cavalinho comprado numa feira puxava-o pela rédea feita de um pedaço de cordel.

Quando a Primavera alvorecia e era já o tempo de ir à Escola, os rapazes juntavam-se, à tarde, no adro da igreja ou no largo da Capela, traziam os piões e jogavam ao desafio. E quando os soutos, em Maio, começavam a cobrir-se de folhagem nova, talhavam gaitinhas nos ramos novos dos castanheiros e enchiam de música os caminhos velhos da margem da aldeia onde marchavam, garbosos, com chapéus de três bicos feitos de uma folha de jornal.

Nos recantos abrigados as raparigas da mesma idade faziam jantarinhos como se fossem já mulheres.

Tarde fora espreitavam pelas sebes os ninhos do passaredo, corriam par a par com libelinhas pela margem dos ribeiros, desciam os outeiros com trenós feitos de giesta, colhiam para a boina mãos cheias de amoras nos silvados. E quando anoitecia, quando o sino dava Ave Marias, voltavam para casa e de mãos postas, levantadas, por costume antigo, pediam a bênção dos pais que lhas beijavam.

 

Foto: José Alfredo.

 

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