A CAPELA DA SENHORA DA LAPA, EM VISEU

                                 Já ninguém pode lembrar-se da capelinha minúscula que, em Viseu, um piedoso devoto terá mandado levantar em honra da Senhora da Lapa no altaneiro chão da cidadela, no íntimo terreiro guardado pela Porta do Soar. Viria talvez dos finais do século XVII, que nessa idade já por aqui passavam, por Viseu, romeiros em caminhada […]

  • 23:17 | Terça-feira, 05 de Abril de 2016
  • Ler em 2 minutos

                                

Já ninguém pode lembrar-se da capelinha minúscula que, em Viseu, um piedoso devoto terá mandado levantar em honra da Senhora da Lapa no altaneiro chão da cidadela, no íntimo terreiro guardado pela Porta do Soar.

Viria talvez dos finais do século XVII, que nessa idade já por aqui passavam, por Viseu, romeiros em caminhada até esse chão de milagre e de mistério, onde o céu se abrira para uma Virgem falar, a seu modo, à pastora muda que a não poderia ouvir, mas de quem guardou a transitiva mensagem que depois, por largo, o povo divulgou. E eu lembro a viagem à Lapa ao dobrar os meados do século XVI do poeta António de Cabedo, quando em Viseu se hospedou no áulico paço do Fontelo que o tio bispo, D. Gonçalo Pinheiro, ocupara em tempo recente, lembro a peregrinação do Chantre de Évora, Severim de Faria, que ali estanciou, lembro o Padre António Cordeiro que pelo agreste da Lapa se apaixonou, lembro o “Indiático” que ali entregou em começos do século XVII a pele do caimão que ainda me assustou e lembro o povo miúdo de cujos passos ainda falam pontes, cruzeiros, alminhas e as lendas riscadas nos caminhos com lagartos à espreita.


A capelinha de Viseu teria a dimensão da gruta da Senhora, os poucos palmos medidos que Maximiano de Aragão ainda conheceu e que traduziu pela pequenez de dois metros de comprimento, largura e altura, um retabulozinho de pedra adornado com uma concha ligeira onde pousaria miúda imagem lavrada em pedra, da Senhora.

A capela já não existe no lugar, vai um pouco mais do que cem anos. Nem a memória ali ficou e a que lá mora não é por tal lembrada. Da concha de pedra talhada para altar fizeram com mais pedra lavrada chafariz, conta o probo historiador, que ali ficou, sem que à fonte alguém chamasse santa, pequena joia encastoada quase ao lado da capela antiga que talvez, ao tempo (1905), fosse já ruina. Mas eu lembro-me da capela quando ali passo no mimoso larguinho que se chama Pintor Gata. Lembro-me da Senhora da Lapa, da pastora Joana, coitada, ninguém mais soube dela. Depressa deve ter ido para o céu, com a Senhora.

E retorno à memória da capela de Viseu. E evoco essa imagem pequenina que foi guardada para Museu e já ninguém sabe como ela surgiu. Chamam-lhe Senhora da Lapa. Deve ser irmã da imagem com a qual Joana um dia deparou num desvão da sua serra. Talvez um dia, quem sabe, um qualquer romeiro a coloque num altar.

 

Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Cultura