Passaporte para a morte…

    “Tal como existem mercados ou feiras, anualmente, para comprarmos os gados assim há praças de gente pelos domingos calados” Cesário Verde   O Mediterrâneo já foi tudo, inclusive a maior rota mercantil de outrora. Hoje, não é já um sítio aprazível, ensolarado, onde velejam os ricos ociosos e veraneiam os migrantes das urbes. […]

  • 20:04 | Terça-feira, 21 de Abril de 2015
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“Tal como existem mercados
ou feiras, anualmente,
para comprarmos os gados
assim há praças de gente
pelos domingos calados”
Cesário Verde
 
O Mediterrâneo já foi tudo, inclusive a maior rota mercantil de outrora. Hoje, não é já um sítio aprazível, ensolarado, onde velejam os ricos ociosos e veraneiam os migrantes das urbes.
Hoje, mais triste e prosaicamente, o Mediterrâneo ganhou o ápodo de “cemitério”. E, de facto, não deve haver no mundo outro que tantos corpos quotidianamente acolha em suas cálidas águas…
Estreito de passagem entre o norte de África e o sul da Europa, via para o Eldorado, milhares de migrantes tentam em vão, por ele, chegar a porto seguro. A maioria não consegue…
Em África, como sempre fustigada, morre-se de tudo. Seja de fome, doença, epidemias, guerras, intolerâncias étnicas ou religiosas. África é o maior mercado dos “senhores da guerra” e um oásis para mercenários, traficantes e indústria bélica.
Migrar é mudar de região; deslocar-se de um país para outro. O homem, outrora nómada ou permanentemente migrante, sedentarizou-se. Depois, no fluir longo e lento do tempo, procurou melhores condições de vida, foi forçado, como escravo, foi migrante temporário como tantos dos nossos compatriotas a deixar um país padrasto e avaro. Iam a “salto” por aí fora, clandestinos e pelas mãos dos “passadores”… mas esta migração que de 1960 a 1970 esvaziou o país de muito mais de meio milhão de “filhos”, que fez de Paris a 4ª cidade portuguesa, esta migração não é aquela que nos traz, diariamente, do Saara Ocidental, de Marrocos, da Argélia, da Tunísia, da Líbia, da Nigéria, do Egipto, do Sudão, da Síria, do Iraque, do Chade, da Somália… milhares de fugitivos do destino, da morte.
Os “passadores” enchem frágeis barcaças de 20 passageiros com 200 almas perdidas, o mar agita-se, os motores, revelhos, param… já nenhum tripulante está naquela jangada tumular… eles sabem que o naufrágio ocorrerá. Já receberam o “bilhete” pago com o suor de muitos anos. Há que ir buscar mais…
Este é o efeito. A causa… bom, a causa vê-se todos os dias nas imagens sobre África e o Médio Oriente. Uma permanente inclemência humana, uma pobreza atroz, uma corrupção descabelada, um ódio bárbaro, uma violência inúsita, uma riqueza mal distribuída, uma falta de tudo… até de uma concha de água.
Que têm estes migrantes a perder? A vida? Já está de antemão perdida. Arriscam tudo, com fé e esperança, nesta “roleta russa”.
Que fazer? Não sei… Tornar o mundo mais justo é uma utopia, erradicar a ganância e o fundamentalismo bárbaro é uma ilusão.
No século XVII, os perseguidos na Europa, ingleses, alemães, holandeses, belgas… católicos e protestantes buscaram o Novo Mundo. Tiveram sorte. Encontraram-no. Para estes, de hoje, o Velho Mundo tem os portos fechados…
 
(Fotos/cartoon DR)

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