O destrato da cidadania

  Por coincidência, o texto desta semana do nosso estimado colaborador e vereador da câmara de Lamego, Manuel Ferreira, há pouco recepcionado e editado, tem pontos comuns com este editorial. Aí vai… Frequentemente, o exercício de cidadania carreia incómodos muito substanciais. Por exemplo, ser testemunha numa acção judicial, o que é uma obrigação e um […]

  • 19:41 | Domingo, 05 de Abril de 2015
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Por coincidência, o texto desta semana do nosso estimado colaborador e vereador da câmara de Lamego, Manuel Ferreira, há pouco recepcionado e editado, tem pontos comuns com este editorial. Aí vai…
Frequentemente, o exercício de cidadania carreia incómodos muito substanciais. Por exemplo, ser testemunha numa acção judicial, o que é uma obrigação e um dever inquestionável de todo o cidadão assumido, solidário e participativo.
E porém, cumpridos os imperativos de sã consciência, são dias perdidos, tempos infindos de espera para ser ouvido, incomodidade geral e substancial.
Bem sei que os tribunais não são resorts de luxo nem clubes de campo ingleses, mas aquelas salas frias, aqueles bancos de igreja, corridos, duros, onde não se encontra adequada posição, o tempo inerte…
Na minha ingenuidade , mal entrei na sala de audiências, logo um magistrado me pregou um “ralhete”: “Se é testemunha, espera lá fora!” (Os “meritíssimos” confundem assazmente autoridade com indelicadeza). Meia volta e regresso à base. E por ali me quedei, a contar os minutos e as horas, a lastimar-me por não ter levado comigo a Maria ou o Correio da Manhã, um bloco de notas para escrever os editoriais de toda a semana ou o tablet para, ao menos, jogar majhong.
A uma razoável distância, dois indivíduos, provavelmente testemunhas de outro pleito, falavam, assertivos, de investimentos de milhões para trás e de milhões para a frente, má gestão para baixo, excelentes performances para cima. Entretinham-se a seu modo.
Escoaram-se as horas. Já quedado num torpor defensivo para suportar o suplício da delonga, eis que chega, enfim, a oficial de diligências, em passo acelerado, toga esvoaçante, uma caterva de in-fólios sobraçada, numa inequívoca prova de eficiência laboral, para anunciar a boa voz de lei ou meirinho tom: “A audiência terá continuidade dia x do próximo mês, pelas y horas. Considerem-se desde já notificados, sem mais!”. E deste modo, célere e recadeira, como chegou num ápice partiu.
Ergui-me, trôpego e de pernas dormentes e lá atinei a sair da Domus Iustitiae para a calidez do fim da tarde, cogitando com os meus botões: quem ali trabalha é para o efeito pago; os advogados cobram seus honorários; as partes litigantes buscam uma solução… as testemunhas, essas, perdem o seu dia de trabalho, perdem o seu tempo, perdem dinheiro, perdem a paciência e… perdem até a vontade de testemunhar e de cumprir esse tão básico quão solidário pressuposto de cidadania. Qual será a causa?
 
 

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