O compadre Zacarias é Le Peniste!

Mais, uma verdade aceitável deste longo discurso pode dissimular dez verdades inconfessáveis e temíveis de uma praxis política em vigor no tempo de De Gaule, ou seja, de há mais de meio século.

  • 14:46 | Terça-feira, 24 de Março de 2015
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Encontrei-me hoje na mercearia com o compadre Zacarias que estava mortinho por discutir comigo…
Tu leste a entrevista da Marine ao Expresso?

Qual Marine, a de Vilamoura?

Vai gozar a tua prima… A francesa, da Front Nationale!


Não, não li nem penso ler….

Mas isso é muito preconceituoso da tua parte.

E não posso ter os meus pré conceitos? Nomeadamente com a abominável extrema-direita, seja ela de onde for?

Claro que podes, Mas o que é certo é que depois de ler aquilo tudo fiquei na dúvida se ela representa o Syriza, o Podemos ou a FN!

Pois… Tu és dado a essas angústias metafísicas!

E sabes que mais? Ela afirmou que nos países onde não existe uma FN, por inércia popular, surge como alternativa a extrema-esquerda com ideias similares.

Ó Zacarias, tu sabes que horas são? Quantas ginginhas já bebeste?

Nada, estou limpo. Só café. Houve lá estas ideias que apontei aqui num papel para te ler:
“Durão Barroso foi um chefe dos guardas da prisão que é a UE. Angela Merkel é a directora da prisão.”; “Saída já da França da UE”; “Fim do Euro”; “Fim da imigração”; “Regresso das fronteiras”; “Fim de Schengen e da livre circulação”; “Regresso à Europa das Nações”; “Restauração da pena de morte em França para casos como os do terrorismo”; “Hollande e Sarkozy são prefeitos às ordens de Bruxelas”; “Represento o patriotismo, a defesa da França e do seu povo contra a UE e a globalização”; “Valls está em pânico porque a FN é hoje o 1º partido da França”; “Ele tem medo de perder o seu lugar, de perder o poder”; “Os portugueses são meus amigos e eu gosto deles”; “A escola deve ser a âncora republicana, deve precisamente fabricar franceses de corpo inteiro”; “A assimilação foi abandonada. A integração contribuiu para a criação de uma sociedade multicultural… sociedade a prazo, multiconflituosa”: “As autoridades não atacam as causas, apenas as consequências (terrorismo); “Os (países do norte tratam os do sul como parasitas, gastadores, preguiçosos”; “A UE… é um palco onde decorre uma guerra económica, um dumping social”; “Estamos numa euroditadura”; “O Euro e a austeridade estão indissoluvelmente ligados”; “Temos de distinguir entre bancos de depósitos e bancos de negócios”; “A UE organiza a coerência internacional e desleal no próprio seio da união”; “A troika, esse organismo tripartido está a reenviar os países para a idade média económica. É uma hidra com 3 cabeças cujo único objectivo é defender o interesse dos bancos, das grandes instituições financeiras, dos credores dos países”; ” A troika é uma gigantesca fraude e as vítimas são os povos europeus”; “Eu, em França, tenho 9 milhões de pobres. Não podemos ajudar o mundo inteiro quando deixamos o nosso próprio povo na miséria (…) É um pouco como o caso de uma mãe de família que convidaria todos os habitantes do seu prédio para jantar quando os seus próprios filhos morrem de fome”; ” A livre circulação permitiu todos os tráficos e a liberdade para todas as máfias”; “A França não tem necessidade de imigrantes, tem 5 milhões de desempregados”; “Não sou por menos Estado, não sou por mais privatizações, não sou pela ultraliberalização”; “Sou de extrema-esquerda para Sarkozy e de extrema-direita para o Partido Socialista”; “Não sou nem de esquerda nem de direita, sou de França”; “Esse (Durão Barroso) foi o grande Manitou do sistema económico que está em vias de destruir as nossas economias e as nossa riquezas”; “O interesse deles (Barroso e Juncker) não é defender os interesses da Europa é o de criar um mercado único mundial”; “Não vejo onde está o progresso, por exemplo na situação em que se encontra a Grécia ou Portugal, com as perdas de direitos das pessoas, os recuos das vantagens sociais, as perdas salariais, as privatizações forçadas…”; “Quando não existe um movimento patriótico como a FN, é a extrema-esquerda que canaliza a cólera contra a UE (Podemos e Syriza)”; “Não devemos criticar a Merkel por ela ser forte e convicta em benefício exclusivo da Alemanha, temos é de denunciar a fraqueza dos nossos próprios dirigentes que não defendem os interesses dos seus povos”…

 

Ufa, já acabaste, Zacarias?

Sim, acabei e há aqui muito do que eu penso…

Zacarias este é o discurso populista e demagógico que o povo quer ouvir. E Marine Le Pen enuncia-o com entusiasmo e como se nele acreditasse. Tu ainda acreditas numa extrema-direita preocupada com os direitos sociais do povo, por exemplo? Este discurso é tão perniciosamente perigoso quanto fundado no inconsciente colectivo das massas. É dizer que “o milagre sou eu”. Porém, sejamos justos, nesse tão longo arrazoado há algumas verdades absolutas e por todos constatados. Porém, da sua enunciação à prática vai a travessia de um longo, árido e escaldante deserto, onde qualquer miragem de oásis é o paraíso. A Europa está num beco de difícil saída. A Europa está entre a vida e a morte. A Europa precisa de encontrar alternativas exequíveis para se salvar. Porém, os radicalismos nunca serão solução…
Ok, dizes tu. Também já sabia que falar contigo é falar “para o boneco”…

Não é falar “para o boneco”, Zacarias. É não ceder aos facilitismos da promessa, da segregação, da diferença, da exclusão…

Pois, pois… fica lá então com as tuas ideias obsoletas. Eu vou ler mais sobre o assunto. Encomendei a “Submissão”, do Houellebecq,  uma França dominada pelos árabes…

Lá estás com a incipiência da xenofobia. Lê Houellebecq que não te faz mal, mas tem presente: esse tipo é da extrema-direita e no livro encontrarás o discurso do ódio e da xenofobia… a mega hipérbole da degenerescência.

Já o leste?

Ainda não…

Então cala-te! E agora sim, vou tomar duas ginginhas que contigo não se aprende nada!
E lá desandou o Zacarias gingão, a falar sozinho, exaltada e mal-humorado. Mas, afinal, quantos Zacarias haverá por essa Europa fora dispostos a seguir a primeira bandeira acenada desta demagogia bem estudada, acutilante, centrada, com targets e modulações muito bem desenhadas?

Mais, uma verdade aceitável deste longo discurso pode dissimular dez verdades inconfessáveis e temíveis de uma praxis política em vigor no tempo de De Gaule, ou seja, de há mais de meio século.

Se o que temos não serve e está podre e desfasado das reais exigências de uma Europa mais política e menos economicista, não é a mofenta e perigosa dialéctica de Marine que trará a salvação. Ela é sim, perigosa pela inércia, alheamento, comodismo conformista e abstenção das maiorias.

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