As vendedeiras de sardinha

Vinha de Aveiro, a sardinha. De Aveiro e de outros portos de mar. Botelho Pereira conta-nos isso, em 1630, e diz que Viseu, o Viseu do seu tempo, “às vezes parece mais porto de mar que sertão da Beira”, tal a abundância de peixe, de sardinha necessariamente, que a estas plagas arrima. Trazem-na os “Malhadinhas” […]

  • 19:16 | Segunda-feira, 07 de Julho de 2014
  • Ler em 2 minutos

Vinha de Aveiro, a sardinha. De Aveiro e de outros portos de mar. Botelho Pereira conta-nos isso, em 1630, e diz que Viseu, o Viseu do seu tempo, “às vezes parece mais porto de mar que sertão da Beira”, tal a abundância de peixe, de sardinha necessariamente, que a estas plagas arrima.

Trazem-na os “Malhadinhas” de então, que foram eles quem sempre a trouxeram, séculos andados, e os alqueires de sal que espalhavam, com ela, por esses povoados antigos. Antes que viesse a camioneta, o “carro do peixe” que nos meados do século XX, com alguma poesia ainda e com o seu estridente buzinar chamava ao Adro, como se fora praça de mercado, as diligentes lavradeiras com homens já rogados para a ceifa ou a vindima.

Havia mulheres, as “sardinheiras”, que iam por essas aldeias fora. À cabeça, pesando, caminhos demorados, o clássico “caixote da sardinha”, de madeira de pinho, duas argolas de corda nas bandas, e o pregão ecoando na boca das ruas da aldeia – “Sardinha fresca!…”, e as donas de casa assomando à porta e o caixote pousado no balcão e a prata luzindo no abonado lombo das sardinhas dispostas em cerrada fileira.


Vendiam-se aos quarteirões. Às vezes só meio. Conta-se que nos tempos da guerra uma sardinha dava para três. Conta-se que era verdade e eu sei.

No geral a sardinha era frita. Guardava-se depois em calda de escabeche nas almofias enramadas compradas a bufarinheiros ou a louceiro com tenda aberta no Adro, ao Domingo, e assim guardava, por dias, o inigualável sabor do tempero caseiro. Também podia assar-se nas brasas na lareira. E albardava-se, às vezes, com uma espessa calda de ovos e farinha. E era prato grato ao paladar, prato certo em tempo de ceifa, de malha, do maçar do linho, do arranque das batatas, do ceote dos homens do lagar, era manjar de alegre desfolhada e das jornadas da vindima ou sementeira.

E ainda ninguém se lembrou de erguer um monumento às sardinheiras!…

(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu lustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano)

Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Cultura