A saga dos resineiros

Pelo findar de Março, quando a seiva, subindo, despertava do sono as cepas das videiras, os troncos familiares das fruteiras, a nua ramaria dos castanheiros e os esguios fustes dos pinheiros, quando os carros de bois se ouviam a chiar pelos caminhos, quando os lavradores davam começo à vessada, era também a vez dos resineiros […]

  • 9:57 | Sexta-feira, 04 de Julho de 2014
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Pelo findar de Março, quando a seiva, subindo, despertava do sono as cepas das videiras, os troncos familiares das fruteiras, a nua ramaria dos castanheiros e os esguios fustes dos pinheiros, quando os carros de bois se ouviam a chiar pelos caminhos, quando os lavradores davam começo à vessada, era também a vez dos resineiros de quem se ouvia ao longe o alegre assobiar.

Tarefas múltiplas desdobram-se então subindo até à boca do Outono quando o fio de seiva dá por si outra vez a adormecer.

Primeiro é o desencarrascar, em pinheiro adulto, essa superficial marcação da ferida que depois há-de nascer, quase logo seguida da montagem do pinhal, tarefa de aparato que consiste na fixação das bicas de folha zincada por onde haverá de correr a resina para o púcaro de barro ou plástico que logo abaixo se ampara contra o longo prego cravado no cerne do pinheiro. Depois vem o sábio golpe do ferro da resina dado no sentido transversal no corpo da mancha antes riscada, e logo o lento correr da seiva que se activará com os sucessivos cortes que o resineiro processa a regulares intervalos de dez ou quinze dias, marcação obediente à natureza do chão onde cresce o pinheiral.


Seguem de perto, aos resineiros, as mulheres da colha, armadas da larga espátula metálica com que retiram do púcaro a resina acumulada despejando-a na lata da resina que depois carregam de bica em bica, assim se designa também a ferida do pinheiro, manhãs e tardes correndo, amaciando o cansaço com o eco das suas canções, a sede apagada nas fontezinhas da serra. E sempre que a lata se enche ei-las, jeito de canéforas, correndo para a orla do pinheiral onde a derramam, a resina, na larga boca de um barril de ferro e madeira que os lavradores carregam em carros de bois lá seguindo caminhos de que as mulheres já não sabem.

A elas só importa, agora, finda a semana, o dinheiro das jornas, as moedas de oiro para levar ao ourives da feira e acabar a conta das contas que há-de ter o cordão.

(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano)

Homenagem aos resineiros da Várzea de Calde

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