VISEU . RURALIDADES

(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano) 5 – MULHER COM ANCINHO “Mulher com ancinho” podia ser título para um quadro de Malhoa. Mas, ao caso, é apenas título de uma crónica que evoca esses epopaicos tempos que o pintor nomeado soube registar […]

  • 11:46 | Domingo, 02 de Fevereiro de 2014
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(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano)

5 – MULHER COM ANCINHO

“Mulher com ancinho” podia ser título para um quadro de Malhoa. Mas, ao caso, é apenas título de uma crónica que evoca esses epopaicos tempos que o pintor nomeado soube registar ao tempo em que a sua pátria se apegava ainda a uma  terra-mãe generosa e fecunda, semeada de sol, farta de milho, de festa e de pão.


A mulher do quadro que leva o ancinho ao ombro já não é, me parece, uma mulher nova. Mas as rugas que lhe vestem o rosto e que parecem dar-lhe uma outra idade lavrou-as, não o tempo, tão hábil nessa sementeira, mas o suor que pelo rosto demoradamente lhe correu, Eva descida à terra dos homens com a sina de ter, com trabalho, de ganhar o pão. Que rota ficou, há muito, a pele de cordeiro com que Javé a cobriu às portas do Éden onde a criou, e veste-se então do linho que aprendeu a tecer, da lã das ovelhas de que se tornou pastora e veste-se agora de outros fios que ela inventou.

Suspensa no tempo, a mulher de quem não sabemos o nome, nem a idade, como se viu, aguarda apenas que o fotógrafo a liberte desse gesto de espera que ainda guarda como se feirante ou romeiro de passagem quisessem saber se iam em segura direcção. Só depois retomará sua rotina.

Não sabemos o que é que a mulher vai fazer com o ancinho. Porque muitas coisas pode ir fazer com essa ferramenta de invenção antiga, talvez trazida ainda de nossos primeiros pais e da qual apenas se alteraram os dentes de madeira substituídos pela mais recente armação dos dentes de ferro que têm o jeito de pregos caibrais.

Talvez vá alisar a terra onde semeou o linho. Talvez se dirija à eira onde o milho seca nas mantas de farrapos com riscas de cores onde o estendera, ao sol, logo de manhã, em Setembro. Pode ir ao pinhal, também. E voltará, não tarda, e iremos vê-la passar com um pesado molho de caruma à cabeça que pousará, liberta, no pequeno chão da casa familiar.

Também não sabemos se a mulher andará por conta própria ou se a rogo. O que é certo é que ela vai de sua rota, decidida. Vê-se pela forma como segura o cabo do ancinho com a mão. Vê-se pela argúcia do olhar. Pela nobreza do seu porte. Vê-se no respeito que sentimos ao fitá-la, Eva, a mulher com quem nos cruzamos no caminho ao findar de uma manhã.

 

                                           

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