V I S E U RURALIDADES

Uma capucha de burel logo ao sair da mão de alfaiate ou costureira vinha talhada para durar duas vidas, no dizer de Aquilino Ribeiro, que vestiu de capucha o corpo fecundo de Brízida, a paciente esposa do Malhadinhas e que ao almocreve também cobria como abrigo da nevasca nas voltas demoradas dos invernos e ao afamado Juiz de Barrelas servia como capa de honra nas vagas horas de audiência. Em capucha de burel se abrigou a mãe do afamado Mestre das Letras, Glória e Ana, as duas tias que inventou, Glorinhas, Rosa Gaudêncio, a Zefa do Alonso e essas heroínas todas que cumpriram seu fado nas agras Terras do Demo, de capucha se vestiu Joana, na Serra da Lapa, pastorita eleita para ver Nossa Senhora.

  • 15:58 | Segunda-feira, 06 de Janeiro de 2014
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(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano).

 1 – UMA CAPUCHA PARA DUAS VIDAS

Uma capucha de burel logo ao sair da mão de alfaiate ou costureira vinha talhada para durar duas vidas, no dizer de Aquilino Ribeiro, que vestiu de capucha o corpo fecundo de Brízida, a paciente esposa do Malhadinhas e que ao almocreve também cobria como abrigo da nevasca nas voltas demoradas dos invernos e ao afamado Juiz de Barrelas servia como capa de honra nas vagas horas de audiência. Em capucha de burel se abrigou a mãe do afamado Mestre das Letras, Glória e Ana, as duas tias que inventou, Glorinhas, Rosa Gaudêncio, a Zefa do Alonso e essas heroínas todas que cumpriram seu fado nas agras Terras do Demo, de capucha se vestiu Joana, na Serra da Lapa, pastorita eleita para ver Nossa Senhora.


À volta de Viseu, mal passadas as alpoldras da Balsa, os pontões da Ribeira e o chão das quintas que pertenceram ao Bispo e outras Senhorias, a capucha de burel gerada provavelmente em longeva idade a partir do saio lusitano, permanece como vestimenta de generoso uso até ao fechar das portas do século XX. Cirandam com ela as mulheres nas voltas do povo, nos caminhos da fonte ou da ribeira onde vão lavar, na ida à feira quando o tempo se oferece, na rotina do serão, no aconchego de um berço de criança. As raparigas essas levam a capucha para o monte quando à meia tarde partem com o gado, as vacas e as ovelhas que por lá deixam a pastar. Os homens cobrem-na a desoras enquanto vigiam a vinha antes da vindima, o pinhal armado para a colha da resina ou as águas de lima nos lameiros.

A lã era caseira, das ovelhas tosquiadas quando vinha o S. João. Churra, era lavada. Depois vinham as cardas num demorado pentear e, armada em velos, demorava um inverno inteiro a fiar. Urdida a teia, bate-que-bate, luz de candeia, o sono esquecido ao cantar, iam crescendo as varas de pano no tear. Só depois vinha o pisão. No rio Vouga, em Ribafeita, no rio Dão, em Povolide, e em Fail, no rio Pavia, em Torredeita, na ribeira de Água d’Alte, a força dos seus maços a bater, uma dona a sair com a trouxa de pano à cabeça, caminhos velhos até ao adro da igreja e o manso bater à porta de uma costureira. E a capucha nova para estrear.

                                                           

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