Retrato com luz e sombra

VISEU – RURALIDADES (Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano) Este é um retrato antigo registado num indefinido lugar, pouco importava ao fotógrafo a paisagem que ficou diluída como se ela não contasse, só contasse mesmo o retrato das duas crianças em cujo […]

  • 13:16 | Segunda-feira, 18 de Agosto de 2014
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VISEU – RURALIDADES
(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano)

Este é um retrato antigo registado num indefinido lugar, pouco importava ao fotógrafo a paisagem que ficou diluída como se ela não contasse, só contasse mesmo o retrato das duas crianças em cujo rosto bate um sol alto de tarde em começo, já passado o Verão.
Não são pobres de pedir as duas crianças do retrato. São irmãos. Moram com a mãe numa casita pobre da margem da aldeia, não sei, que só conheço as crianças do retrato. A mãe deve ter saído ao romper do dia. Anda a rogo numa casa de lavoura. O pai, talvez tenha embarcado para o Brasil, quem sabe. Ou talvez ande pela serra, a rogo também, quebrando pedras, à procura de volfro * de que não conhece o destino.
Ao ver o retrato do rapaz e da menina lembro-me do Manuel Lóio e da irmã mais nova, a Loíta**, moravam os dois perto da casa de Aquilino quando ele era menino. Mas este menino, ao contrário do Manuel, é ceguinho. Não consegue, como ele, ir ao monte, à lenha, nem andar aos grilos à beira dos ribeiros, nem armar aos pássaros. Sabe Deus o que a mãe chorou quando o menino nasceu!… Quem sabe das “promessas” que terá feito essa mulher?!.
A irmãzita tem a idade da Maria Lóia. Só que a Maria Lóia tem o cabelo ruivo, mas a viveza do olhar das duas é igual, e o desembaraço de raparigas que lhes é peculiar, e essa força que parece ser igual nas duas cachopas que se aprontam para a vida. As duas vestem roupitas desajustadas deixadas por meninas ricas da idade delas. Mas elas até ficam lindas quando as vestem, mesmo quando ficam rotas.
A irmãzita do menino é agora a companheira de sempre do irmão ceguinho. Nem um nem outro foram à Escola.
Quando a menina brinca com as outras meninas senta o irmão ceguinho numa soleira de porta. E ele fica ali quietinho. Sorri-se quando os outros meninos riem no decorrer das brincadeiras.
Às vezes os rapazes da idade dele sentam-se ao pé dele e contam-lhe das suas brincadeiras de rapazes. Às vezes levam-no com eles quando vão apanhar grilos ou amoras. E aí é a irmãzita que o leva pela mão ou então ele segue-a, a mão pousada no ombro da menina, prendendo-lhe a dobra do casaquito.

* – O mesmo que volfrâmio
** – Personagens do livro “Cinco Reis de Gente”


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