PÁSCOA DE FOLARES E DE FLORES (Minhas memórias da Sarzeda – Sernancelhe)

  Longas são já minhas memórias e de uma Páscoa antiga agora se desprendem, poéticas, aureoladas pela patine do tempo que tudo adoça, se diz, quase tudo, menos aquilo que é de mal-querer. De uma Páscoa antiga trago a cor das mimosas que floriam tarde na minha terra onde a Primavera tarde rompia e trago […]

  • 21:25 | Sexta-feira, 03 de Abril de 2015
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Longas são já minhas memórias e de uma Páscoa antiga agora se desprendem, poéticas, aureoladas pela patine do tempo que tudo adoça, se diz, quase tudo, menos aquilo que é de mal-querer.

De uma Páscoa antiga trago a cor das mimosas que floriam tarde na minha terra onde a Primavera tarde rompia e trago a cor das camélias que era costume oferecerem como prenda, de um solar da vila, a minha mãe e o açafate com laranjas e a luminosa cor desses meus raros frutos de criança. E trago ainda o cheiro bom da casa lavada, a cor linda dos armários com desenhos novos de papéis recortados. E a mesa posta do “afolar”, na sala, toalha de renda e linho antigo, louça de “cavalinho”, biscoitos caseiros que ainda hoje sabem bem, pão-de-ló enfeitado com o açúcar em ponto fingindo flores, vinho fino, moedas de prata num pratinho. E o tinir de uma campainha rua fora, a sobrepeliz do senhor padre esvoaçando, aleluias, o meu pai postado ao pé da porta, a cruz que um homem dava a todos a beijar, tal e qual como aquela que Aquilino descreveu, aquela onde Glòrinhas colocava uma camélia vermelha a coroar, um padre-nosso rezado por alma dos avós.


Páscoa das flores e logo de manhã a bênção da madrinha e o “afolar”, a prenda dela, uma camisa nova e uma vez que tive libra de oiro e o beijo dela em minhas mãos e a voz dela requerendo todo o bem do mundo para o seu menino.

E aquela “bôla” grande de trigo moído em mó alveira, ovos caseiros, carne de porco entremeada, bôla que a mãe tendia na padela negra de Molelos (ainda guardo a padela), o cheiro dela ao vir do forno comunal, água na boca ao lembrar o sabor dela. E os “bolos de Páscoa” feitos com a farinha do trigo tremês amassada com os ovos que começavam a guardar-se no Natal, e o jeito e a cor e o cheiro ainda da fornada armada, como andor, em tabuleiro. E o rescendor que, por muitos dias, vinha da masseira.

Páscoa de saudade que, ano a ano, gosto de ir passar à minha terra.

 

 

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