Cântaro que vai à fonte…

Uma velha figurinha de Presépio de Machado de Castro guardada num Museu fica quase, tão só, como memória, como a mais poética evocação desse tempo de mulher que transporta à cabeça um cântaro de água para o lar. Velhas estampas e postais, raras fotografias constituem-se, também, como o registo iconográfico de uma parcela importante da […]

  • 20:52 | Sábado, 01 de Março de 2014
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Uma velha figurinha de Presépio de Machado de Castro guardada num Museu fica quase, tão só, como memória, como a mais poética evocação desse tempo de mulher que transporta à cabeça um cântaro de água para o lar. Velhas estampas e postais, raras fotografias constituem-se, também, como o registo iconográfico de uma parcela importante da vida da mulher no quadro das sociedades camponesas do norte do país.

Que a água era elemento primordial na vida dos homens, bênção do céu derramada em chuva.

Ao homem competia tão só a sábia tarefa da sua distribuição nos termos da aldeia.


Dentro de casa a gestão da água era tarefa de mulher. Alimentação da família e dos animais, higiene do quotidiano, lavagem da casa para o dia de Páscoa, barrela ao findar do Verão, pucarinho de água dado a um mendigo, careciam de um abastecimento diário, jamais descuidado. E era então o caminho da fonte, fosse ela de chafurdo e antiga, fosse ela de bica sussurrante, as duas quase sempre numa praça da aldeia.

Esposa ou mãe enchia os cântaros com pouca demora e lá vinha um cântaro à cabeça, outro na mão tantas vezes, para esse lugar certo da cantareira, o nome que era dado ao armário da cozinha que ano a ano se enfeitava com recortes novos de papel.

Outras vezes a fonte enchia-se de mulheres. E enquanto os cântaros enchiam, um a um, as mulheres queixavam-se da vida, trocavam as notícias dos cantos da aldeia, trocavam segredos que prometiam guardar. E a fonte onde os cântaros enchiam e vazavam, esquecidos, tornou-se o lugar mítico da aldeia escrito para sempre à volta de um gesto de mulher.

As raparigas vinham ao findar do dia, já posto o sol. Vinham dos campos os rapazes, nessa hora. E o cantar da fonte não deixava ouvir a mais ninguém as juras de amor. E a fonte onde os cântaros enchiam e vazavam, esquecidos, tornava-se o lugar mítico do romance. E sempre do amor.

 

(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de arquivo de Foto Germano)

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Publicado em Cultura