Viseu – Executivo PSD quer "ir à carteira" dos munícipes com a empresa "Águas de Viseu"?

Aqui se deixa à clarividente interpretação do leitor o Acórdão n.º  6 /2017.26.JUN-1.ª S/SS, referente ao  Processo nos 1905/2015, do Tribunal de Contas, não transitado em julgado. Através dele, constata-se que a tentativa do executivo camarário viseense em passar os SMAS a Águas de Viseu, EM. tem visto recusado pela entidade competente. Fecunda a fundamentação, […]

  • 21:10 | Segunda-feira, 10 de Julho de 2017
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Aqui se deixa à clarividente interpretação do leitor o Acórdão n.º  6 /2017.26.JUN-1.ª S/SS, referente ao  Processo nos 1905/2015, do Tribunal de Contas, não transitado em julgado.
Através dele, constata-se que a tentativa do executivo camarário viseense em passar os SMAS a Águas de Viseu, EM. tem visto recusado pela entidade competente.
Fecunda a fundamentação, de concreto se retira muito, mas e essencialmente que o TC considera que a “operação em causa está inquinada por nulidades“, recusando “o visto à deliberação da Assembleia Municipal de Viseu de 29.06.2015, que aprovou a proposta de “Transformação Institucional dos SMAS de Viseu para Empresa Municipal AdV – Águas de Viseu, E.M. e o Projeto de Estatutos”.  
Mas refere ainda mais, entre elas, que esta transformação tem impacto sobre os consumidores que passarão a pagar o IVA à taxa de 6%, assim como “aumentos reais de modo a garantir a remuneração acionista e a permitir a recuperação dos gastos com o serviço de saneamento“.
Quanto vale este aumento? Que custos terão nas bolsas já depauperadas dos munícipes? O própro TC o ignora pois refere “Mais uma vez não se conhece qual o aumento previsto, em comparação com o tarifário em vigor.”
E para quê? Para garantir a remuneração accionista...
Mas há uma profusão de itens por clarificar, entre eles o que concerne “à redução do número de trabalhadores a assumir pela empresa a criar” e ainda quando escreve: “No entanto, estão previstos aumentos de custos, de idêntico montante, na rubrica trabalhos especializados e subcontratos, com a indicação de que nesta rubrica “encontram-se os encargos com os 33 colaboradores partilhados entre os serviços da empresa municipal e da Câmara Municipal de Viseu contratados pela primeira”.
O Acordão reitera as suas dúvidas que não foram esclarecidas sobre o impacto financeiro, bem como, sobre os invocados e não visíveis “benefícios sociais”:
“Para além das dúvidas, não esclarecidas, sobre o impacto financeiro no domínio dos recursos humanos (já referida no §74), não é claro quais os «benefícios sociais» que decorrem do esquema proposto.”;
“Relativamente a este tópico deve, ainda, sublinhar-se que decorre da análise efetuada a eventualidade de aumentos do preço dos serviços prestados, concretamente os relacionados com a distribuição de água, nomeadamente por via do aumento da carga fiscal evidenciada bem como do aumento do tarifário, como foi referido no §70. A ser assim trata-se de circunstância que, aparentemente, colide com a exigência de benefícios sociais que deve ocorrer com a constituição de um novo modelo de gestão.” e sintetiza “o que decorre do que vem sendo expendido é que os ESTUDOS 1, 2, 3 e 4 apresentados pelo Município de Viseu para fundar a sua opção de criação de uma empresa local que assuma as atuais competências dos SMAS de Viseu, com a consequente extinção do mesmo serviço, não permitem, de todo concluir pela legalidade e sustentabilidade dessa opção à face dos princípios e normas citados que vinculam tal decisão”, concluindo “Conforme já se referiu, a operação em causa está inquinada por nulidades decorrentes da colisão com os artigos 32º n.º 1 do RJAEL, nos artigos 4º n.º 2 do RFALEI e artigo 59º n.º 2 alínea c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro o que, nos termos do artigo 44º n.º 1 alínea a) da LOPTC, comporta causa de recusa de visto prévio.”
 
Se os SMAS são uma instituição eficaz e geradora de receitas, porquê substituí-la pela “Águas de Viseu”? Qual a vantagem? Entra dinheiro para “festarolices” nos cofres camarários? E sai de onde? Do bolso dos consumidores? E quem vão ser os accionistas desta empresa, além da Câmara?
Pena é que esta maioria do PSD se esteja “borrifando” nas consequências dos seus ambíguos e pouco esclarecidos actos sobre a carteira dos munícipes, de quem deveriam ser os mais zelosos e empenhados curadores. Todos temos presentes as consequências das privatizações das águas por esse país fora. Ninguém ignora que os preços disparam em flecha, de seguida. Se mais não houvesse, atente-se no polémico caso das Águas do Planalto e nas diversas denúncias feitas pelo MUAP, Movimento de Utentes das Águas do Planalto, num processo que ainda não está de todo clarificado, nem chegou a seu fim.
Este executivo camarário demonstra uma insensibilidade enorme perante os interesses dos seus munícipes, continuando, a trote largo, na política — para eles muito coerente — de “com papas e bolos se enganam os tolos.”
Acordão integral:
………………………………………………………………………..
TRIBUNAL DE CONTAS
Relator: Conselheiro José Mouraz Lopes
Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção:
 

  • – RELATÓRIO
    1. O Município de Viseu remeteu a este Tribunal para efeitos de fiscalização prévia a deliberação da Assembleia Municipal de Viseu de 29.06.2015, que aprovou a proposta de “Transformação Institucional dos SMAS de Viseu para Empresa Municipal AdV – Águas de Viseu, E.M. e o Projeto de Estatutos”.

 

  1. A deliberação em apreciação foi complementada com a deliberação tomada na sessão ordinária da Assembleia Municipal de Viseu de 19.12.2016 que aprovou a minuta do contrato de gestão delegada.

 


  1. Para melhor instrução do processo, foi a deliberação referida devolvida ao Município de Viseu para que prestasse esclarecimentos sobre questões adiante mencionadas.

 

  • – FUNDAMENTAÇÃO

Factos

  1. Para além do referido nos nºs 1 e 2, são dados como assentes e relevantes para a decisão os factos e alegações constantes do processo em análise e referidos nos números seguintes.

 

  1. Em reunião ordinária da Assembleia Municipal de Viseu (AM Viseu), de 29.06.2015, foi aprovada a proposta de “Transformação Institucional dos SMAS de Viseu para Empresa Municipal AdV – Águas de Viseu, E.M. e o Projeto de Estatutos”.

 

  1. Esta deliberação foi tomada na sequência da proposta da Câmara Municipal de Viseu (CM Viseu), constante da deliberação tomada na reunião ordinária de 18.06.2015, a qual teve por base o ofício dos Serviços Municipalizados n.º SMAS.S.07203/2015, de 15-06-2015, que foi acompanhado da deliberação do Conselho de Administração de 12-06-2015, do relatório relativo à “Avaliação de Soluções Organizacionais – Modelos de Gestão”, do “Estudo de Viabilidade e Sustentabilidade Económico-Financeira” e do “Projeto de Estatutos”, anexos à Distribuição n.º EDOC/2015/41891 (documentos que se deram por reproduzidos na ata da Deliberação da CM Viseu).

 

  1. A referida deliberação do Conselho de Administração dos SMAS de Viseu, de 12-06-2015, cuja minuta consta, de forma manuscrita, na 1ª página do estudo denominado “Avaliação de Soluções Organizacionais – Modelos de Gestão” tem o seguinte teor: “ Tendo presente o relatório relativo à “Avaliação de Soluções Organizacionais – Modelos de Gestão” e o “Estudo de viabilidade e Sustentabilidade Económico-Financeira”, o C.A. delibera a transformação institucional, mediante a adoção do modelo empresarial típico da “Empresa Municipal”, com o seu capital a ser integralmente subscrito e realizado pela Autarquia instituidora, o Município de Viseu, bem como a aprovação do Projeto de Estatutos proposto. Mais delibera enviar à C.M.V. os elementos atrás referidos, para que, sob proposta desta, seja submetida a aprovação da Assembleia Municipal de Viseu, ao abrigo do nº1 do artigo 22º e do nº 5 do artigo 32.º, ambos da Lei 50/2012, de 31 de Agosto”.

 

  1. A deliberação da Assembleia Municipal de 29.06.2015 teve, assim, por base, três documentos essenciais, de cujo conteúdo se salientam os principais aspetos nos pontos seguintes.

 

  1. A Avaliação de Soluções Organizacionais – Modelos de Gestão (Março de 2015)”(ESTUDO1) para além de referenciar a legislação em vigor no setor, enumera os vários modelos de gestão possíveis para a atividade em causa, respetivas vantagens e inconvenientes, salientando como vantagens do modelo empresarial, nomeadamente, a agilização de formas de gestão, maior flexibilidade quanto ao estatuto de pessoal, maior facilidade de subcontratação de serviços e a possibilidade de adoção de estratégias de outsourcing, para além de vantagens de natureza fiscal (possibilidade de recuperação do IVA), embora como contrapartida de passar a ser faturado aos consumidores o IVA sobre o serviço de saneamento, à taxa reduzida de 6% e de passar a ser cobrado IRC sobre os resultados da empresa local.

 

  1. É igualmente salientada no referido ESTUDO1 “a possibilidade de explorar a participação de capital privado, através de Parceria Público Privada Institucional (PPPI), permanência mínima de 10 anos, sujeito a opções de compra e venda, com influência dominante do parceiro público nos termos do nº 1 do artigo 19º da Lei nº 50/2012, de 31 de Agosto”.

 

  1. Conclui o estudo em causa que “estamos perante uma solução de gestão que, através da “empresarialização” de tarefas públicas municipais, visa a obtenção de ganhos de eficiência e de economia, os quais tenderão a acentuar-se na medida da sua capacidade para apropriar-se dos benefícios, que resultam da maior flexibilidade das empresas privadas e da sua capacidade financeira”.

 

  1. O “Estudo de Viabilidade e Sustentabilidade Económico-Financeira” (Março de 2015), (ESTUDO2), apresenta dados financeiros relativos à evolução económico-financeira dos SMAS Viseu bem como uma “avaliação da sustentabilidade económica em termos prospectivos”. Nele se conclui que “suportada num perfil de exploração sustentadamente superavitário nos seis anos de “histórico” analisados, os SMAS de Viseu evidenciam, a 31.Dez.2014, uma situação económico-financeira equilibrada, robusta e sustentada. Tal facto legitima, a priori, e numa perspectiva patrimonial a formulação dum juízo de valor francamente favorável à adopção do modelo Empresa Municipal”.

 

  1. As projeções efetuadas para a nova Empresa Municipal constantes do ESTUDO2 sustentam a conclusão segundo a qual “(…) num horizonte temporal alargado, v.g., 25 anos, a constituição duma “Empresa Municipal” afigura-se-nos, salvaguardando os aspectos de natureza qualitativa nos domínios institucional, orgânico e funcional, para além de viável, claramente aconselhável, dados os esperados incrementos de eficácia, eficiência e qualidade daí decorrentes em benefício da população servida, em estreito cumprimento da Missão, Valores e Objetivos da Autarquia Instituidora”.

 

  1. Este ESTUDO2 é omisso quanto à quantificação económico-financeira dos referidos incrementos de eficácia, eficiência e qualidade comparativamente ao modelo existente de serviços municipalizados, quanto ao impacto financeiro da nova realidade empresarial nas contas do Município de Viseu e ainda quanto à variação dos custos dos serviços prestados aos consumidores em consequência das alterações tarifárias e fiscais nele enunciadas.

 

  1. Nos termos do Projeto de Estatutos igualmente apreciado pelos órgãos Municipais:
    • A AdV – Águas de Viseu E.M., é uma pessoa coletiva de direito privado, com natureza municipal, sob a forma de entidade empresarial local de gestão de serviços de interesse geral, dotada de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
    • É constituída por tempo indeterminado;
    • Tem como objeto social “a satisfação de necessidades básicas no domínio do abastecimento público de água e saneamento de águas residuais urbanas (…)”;

 

  1. Tem como órgãos da empresa a Assembleia Geral, o Conselho de Administração (3 membros) e o Fiscal Único, com mandato coincidente com o dos titulares do órgãos autárquicos e possibilidade de os membros do Conselho de Administração serem remunerados.

 

  1. Este Projeto de Estatutos é omisso relativamente ao tipo de sociedade comercial adotado pela AdV, e, quanto ao capital social, o artigo 22º não especifica o valor e forma de realização do mesmo nem o número de ações que o representa, embora especifique que “encontra-se integralmente subscrito e realizado pela Câmara Municipal de Viseu”.

 

  1. O artigo 30º do mesmo Projeto de Estatutos regula a celebração de contratos programa com o Município de Viseu, prevendo o nº 4 que de tais contratos “constará, obrigatoriamente, o montante dos subsídios à exploração e indemnizações compensatórias que a Empresa terá direito a receber como contrapartida das obrigações assumidas”.

 

  1. No artigo 38º n.º 1 do referido Projeto de Estatutos prevê-se que a “alienação da totalidade ou parte do capital social da AdV é deliberada, sob proposta da Câmara Municipal de Viseu, pela Assembleia Municipal”.

 

  1. Em consequência de questões efetuadas por este Tribunal no âmbito da instrução do presente processo, veio o Município prestar esclarecimentos e juntar outros documentos complementares.

 

  1. Quanto ao Projeto de Estatutos esclareceu que por lapso não foi indicada a forma societária da AdV- Águas de Viseu, E.M. mas que o que se pretende é a constituição de uma sociedade anónima unipessoal.

 

  1. Adiantou igualmente esclarecimentos sobre a forma de realização do capital social e quanto ao seu montante previsível (71,5 milhões de euros) e que não pondera a possibilidade de abertura de capital da empresa a entidades privadas.

 

  1. Todavia, a minuta de Estatutos aprovada pela Assembleia Municipal em 2906-2015 não sofreu alterações.

 

  1. Em 30-03-2017 veio o Município juntar a Minuta do Contrato de Gestão Delegada (e respetivos anexos) acompanhada do Parecer da Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) emitido a 19-11-2016 bem como das atas dos órgãos municipais que sobre aquela minuta se pronunciaram (v.g. Atas das reuniões da Câmara Municipal de Viseu de 06/12/2016 e 22/12/2016 e Ata da sessão ordinária da Assembleia Municipal de Viseu de 19/12/2016).

 

  1. Dos anexos à Minuta de Contrato de Gestão Delegada presentes à apreciação dos órgãos municipais constam, entre outros, o “Tarifário dos serviços e sua trajetória de evolução temporal”, o “Financiamento pelo Município da prestação de serviços delegados que não são objeto de tarifação”, as “Demonstrações financeiras da Empresa e Plano de Financiamento” e ainda os seguintes estudos – “Estudo Justificativo do Modelo de Gestão dos Serviços de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais no Município de Viseu, datado de outubro de 2016 (ESTUDO 3)” e “Estudo de Viabilidade Económica e Financeira, datado de agosto de 2016” (ESTUDO4).

 

  1. Os encargos financeiros para o Município decorrentes da prestação de serviços delegados que não são objeto de tarifação foram estimados, no anexo ao contrato de gestão delegada em € 705 000,00 anuais, de 2017 a 2021, não se indicando, no entanto, qual o parâmetro de comparação de custos destes serviços no modelo existente de serviços municipalizados.

 

  1. Idêntica omissão ocorre na especificação do Tarifário dos Serviços anexo à minuta de contrato de gestão delegada.

 

  1. Do parecer da ERSAR consta, nomeadamente, o seguinte: “Como ponto prévio cumpre notar que não foi demonstrada a mais-valia decorrente da alteração do modelo de gestão direta, atualmente existente, para um modelo de gestão delegada.” (…) Por outro lado, analisada a minuta de contrato e anexos submetidos à apreciação da ERSAR, considera-se que a mesma não reúne condições para ser objeto de parecer favorável (…)” O referido Parecer incorpora, seguidamente um alargado conjunto de recomendações.

 

  1. O Município de Viseu alegou que incorporou algumas das recomendações e propostas da ERSAR numa alteração à minuta do contrato de gestão delegada.

 

  1. . Enquadramento jurídico

 

  1. Está em causa, na apreciação do instrumento jurídico agora remetido a este Tribunal para efeitos de visto prévio, concretamente a deliberação da Assembleia Municipal de Viseu que aprovou a proposta de transformação institucional dos SMAS de Viseu para Empresa Municipal AdV- Águas de Viseu, E.M. e aprovado o projecto de Estatutos» e a sua compatibilização legal, à luz do regime normativo decorrente da Lei n.º 50/2012 (RJALEL) com as sucessivas alterações.

 

  1. O conjunto normativo que compõe o RJAEL é horizontalmente percorrido por uma «filosofia racionalizadora financeira» que deve vincular todas as opções disponibilizadas à Administração Pública local na criação, extinção, modificação ou apenas na gestão das empresas locais bem como nas sociedades participadas ou «participações locais».

 

  1. Em todo o diploma evidencia-se a necessidade de existir rigor financeiro e racionalidade económica na constituição [e manutenção] de empresas ou participações locais, a partir destes tópicos, serem também tais princípios que devem orientar a administração local e a sua gestão.

 

  1. No exercício das suas competências, por várias vezes este Tribunal tem vindo a produzir jurisprudência sobre o âmbito do RJAEL, salientando sempre a vinculação normativa decorrente da reforma do sector empresarial local com vista à sua racionalização, em termos financeiros (cf., entre outros, os Acórdãos n.º 22/2013, 1ª S/SS, de 6 de setembro, 24/2013, de 30 de setembro 1ª S/SS, Acordão nº 16 /14.NOV.2013 – 1ª S/PL e mais recentemente o Acórdão n.º 4/2017, 1º/S/SS, de 4 de abril).

 

  1. Nesse sentido afirmaram-se como vinculativas a toda a administração local as normas e os princípios estabelecidos no RJAEL que condicionam todo o processo de decisão no sentido da criação (ou fusão) de empresas locais, nomeadamente a relevância dos requisitos que permitem ajuizar da viabilidade económico-financeira e racionalidade económica das empresas locais, quer no que se refere à sua viabilidade quando estão no «giro», quer quanto à sua criação «ex novo».

 

  1. Deve recordar-se, que as empresas públicas municipais por via do RJAEL, transitam «inexoravelmente para o Direito privado» (cf. Nazaré da Costa Cabral, Nuno Cunha Rodrigues, Finanças dos Subsectores, Coimbra, 2017, p p.268), com todas as consequências que isso comporta para a entidade pública que as suporta em termos financeiros, quer para os cidadãos que usufruem dos seus serviços. Por isso a exigência dos requisitos para a sua criação assumem uma dimensão de responsabilidade acrescida, nomeadamente na densificação dos requisitos exigidos, nomeadamente o que, em termos concretos, está regulado no artigo 32º do RJAEL.

 

  1. Assim o artigo 32º citado exige, sob pena de nulidade do ato e de responsabilidade financeira dos responsáveis que o não façam, que qualquer deliberação de constituição de empresa local seja sustentada e precedida «dos necessários estudos técnicos, nomeadamente do plano do projeto, na ótica do investimento, da exploração e do financiamento, demonstrando-se a viabilidade e sustentabilidade económica e financeira das unidades através da identificação dos ganhos de qualidade, e a racionalidade acrescentada decorrente do desenvolvimento da atividade através de uma entidade empresarial».

 

  1. Deve referir-se que o artigo 32º n.º 2 refere ainda «os estudos previstos no número anterior devem incluir ainda a justificação das necessidades que se pretende satisfazer com a empresa local, a demonstração da existência de procura atual ou futura, a avaliação dos efeitos da atividade da empresa sobre as contas e a estrutura organizacional e os recursos humanos da entidade pública participante, assim como a ponderação do beneficio social resultantes para o conjunto de cidadãos».Ou seja estes estudos [e a sua fundamentação] permitem que a tomada de decisão pelos órgãos deliberativos seja sustentada numa efetiva viabilidade económico-financeira e racionalidade económica, razão fundamental para a opção da empresarialização admitida.

 

  1. Sublinha-se, ainda, que a intervenção do Tribunal de Contas nesta matéria, que resulta do próprio RJAEL, estabelece exatamente como âmbito da intervenção do Tribunal em termos de fiscalização prévia, a incidência sobre a verificação em concreto dos elementos constantes do artigo 32º, conforme decorre do artigo 23º do RJAEL. Refira-se, ainda, sobre esta dimensão, que «a severa exigência de demonstração obrigatória, consagrada nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32º, evidencia que a Lei não se contenta com um discurso vago e superficial, que se limite a proclamar as vantagens da gestão empresarial, antes reclama uma demonstração objetiva e baseada num trabalho de análise económica e financeira realizado segundo padrões credíveis e também de bom senso», conforme refere Pedro Gonçalves, in Regime Jurídico da Atividade Empresarial Local, Coimbra, 2012, p.171.

 

  1. Importa finalmente referir que, relativamente à dimensão de prossecução do serviço público que o setor empresarial local pode ser encarregado de concretizar (e que nalguns casos tem que assegurar de forma exclusiva), o legislador previu a possibilidade de tal prossecução ser efetivada por via da internalização das atividades nas entidades públicas participantes, ou através de integração em serviços municipalizados conforme decorre expressamente dos artigos 65º e 64º respetivamente.

 

  1. O RJAEL estabelece, por isso, todo o quadro normativo vinculante aos serviços municipalizados e, concretamente, a vinculação normativa que é imposta para a sua extinção, nomeadamente por via de uma outra solução organizacional alternativa, que deve também ser sempre acompanhada dos estudos e fundamentação, conforme decorre do artigo 18º n.º 1 e 2 do RJAEL.

 

  1. Sublinhe-se, nesta parte [extinção que corresponda à externalização] a exigência de demonstração de viabilidade económica e financeira da solução a adotar, conforme decorre expressamente do n.º 2 do artigo 18º citado, em consonância, aliás, com o exigido no artigo 32º do mesmo diploma, no caso de a externalização se concretizar mediante a criação de uma empresa local.

 

  1. Nestes casos importa sublinhar a dimensão comparatística que os estudos a que se alude no artigo 32º devem consubstanciar. Ou seja, para além da racionalidade económica e financeira da instituição/empresa a criar, é essencial que o modelo a criar se assuma como uma vantagem, financeiramente demonstrada, em relação ao modelo existente. Por isso a necessidade de funcionar um modelo «comparador» de modo a que a decisão a tomar pelas entidades seja efetivamente uma escolha racional e fundamentada em evidências.

 

  1. A constituição de uma empresa local deve por isso ter sempre no processo de decisão da Administração a assunção do princípio «da melhor forma para desempenhar uma tarefa» e, nesse sentido impõe-se sempre a «realização de testes sequenciais de necessidade e adequação: o primeiro, com um efeito (in)validante sobre a opção de descentralizar ou não descentralizar, na medida em que a constituição de uma nova entidade pode ser desnecessária ou até mesmo inoportuna, considerando as entidades já existentes ou os resultados garantidos pela prossecução, de forma indireta, através de serviços autónomos mas desprovidos de personalidade jurídica (como os serviços municipalizados); e o segundo sobre a forma de descentralização em si mesma e o tipo de entidades que se pretende constituir» (assim, Juliana Ferraz Coutinho, «As empresas locais e as decisões de organização da entidade pública participante: um esboço de sistema», Questões Atuais de Direito Local, n.º 8, Outubro/Dezembro 2015, p.39).

 

  1. Deve igualmente afirmar-se que todo este enquadramento tem sido reafirmado na jurisprudência deste Tribunal em situações em que foi chamado a intervir no exercício das suas competências neste domínio, ainda que não em empresas locais a criar «ex novo», conforme se refere nos Acórdão n.º 32/2013, de 2 de dezembro, 1ªS/SS e no Acórdão n.º 7/2014, de 27 de fevereiro, 1ªS/SS: «a demonstração da racionalidade económica acrescentada da futura estrutura empresarial deve, obrigatoriamente, ter por termos comparativos as restantes opções legais, a saber, a própria dissolução, a internalização das atividades nos serviços do município e a sua integração em serviços municipalizados, nos termos conjugados do nº2 do artigo 62º, do artigo 64º, do artigo 65º e do artigo 32º, todos do RJAEL».

 

  1. Finalmente em termos de enquadramento normativo do tratamento da matéria em causa, a gestão da exploração pública de água, não pode o Tribunal omitir a dimensão (hoje fixada na Lei) do princípio da exploração e da gestão pública da água, que decorre da Lei n.º 58/2005, concretamente por via da alteração substancial que decorre da Lei n.º 44/2017, de 19 de junho. Ainda que não se aplique diretamente à situação em causa nos autos, a sua imperatividade no que respeita aos sistemas multimunicipais de abastecimento de águas e de saneamento, nos termos do artigo 3º n.º 1 alínea b), é um condicionante, essencial a levar em consideração na abordagem que se segue.

 

  1. O enquadramento normativo citado e o seu enquadramento dogmático permite perceber e decidir a matéria em apreciação nos autos, que, conforme se referiu comporta a transformação os Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Viseu numa empresa local. Transformação que diga-se, e isso é assumido pelo Município, passa exatamente pela extinção dos SMAS de Viseu e a sua substituição por uma empresa Municipal.

 

  1. Como se constata dos factos (pontos 9. a 114. e 25.) foram elaborados e apresentados quatro estudos, nomeadamente o estudo de «Avaliação de soluções organizacionais – Modelo de Gestão», de março de 2015 (ESTUDO1), o «Estudo de Viabilidade e Sustentabilidade EconómicoFinanceira”» de março de 2015 (ESTUDO2), o «Estudo Justificativo do Modelo de Gestão», de outubro de 2016 (ESTUDO3) e o «Estudo de Viabilidade Económico-Financeira da Empresa Municipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de Águas Residuais do Município de Viseu», de agosto de 2016» ( ESTUDO4).

 

  1. Importa também, no que diz respeita à situação em apreciação nos autos, face ao objeto de negócio da empresa a criar, a relevância do Parecer [obrigatório, nos termos do artigo 20º n.º 7 do Decreto Lei n.º 194/2009, de 20 de agosto e artigo 24 n.º 1 alínea f) e 5º n.º 4 alínea a) da Lei n.º 10/2014, de 6 de março] emitido pela Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), conforme referido nos pontos 27. e 28.

 

  1. Como se referiu o artigo 32º, na sua materialidade, comporta a exigência de cumprimento dos seguintes requisitos: (i) demonstração da viabilidade económica da entidade a constituir; (ii) identificação dos ganhos de qualidade e racionalidade acrescentada decorrente da atividade através de uma entidade empresarial; (iii) justificação das necessidades que se pretende satisfazer com a empresa local; (iv) avaliação dos efeitos da atividade da empresa sobre as contas e a estrutura organizacional e os recursos humanos da entidade pública participante; (v) ponderação do beneficio social resultante para o conjunto dos cidadãos.

 

  1. É assim sobre estes requisitos que importa fazer uma análise objetiva dos estudos apresentados que sustentam a criação da empresa e a externalização dos serviços até agora prestados pelos SMAS de Viseu. Por isso, e em acumulação com aqueles requisitos, é essencial atentar nos resultados comparativos entre um modelo e outro.

 

  1. Vale por dizer que esta análise comparativa, ainda que parta de análises das vantagens e desvantagens que em abstrato uma opção desta natureza deve consubstanciar – como é referido e identificado no ESTUDO1 apresentado, a páginas 37 – não pode de todo sustentar-se nessa análise genérica que vale, em abstrato, para qualquer outra situação.

 

  1. O que aí se refere, como vantagens, o «agilizar os procedimentos municipais», «abandono de formas de gestão dos serviços públicos muito burocratizados, permitindo o recurso a modelos mais ágeis», «maior flexibilidade das empresas privadas», «maior flexibilidade na politica de contração e de gestão dos seus recurso humanos», «facilidade de sucontratção de serviços e adopção de estratégias de outsorcing» ou como desvantagens, a «má utilização que dele [modelo de gestão das empresas locais] foi feito por muitos municípios», ou a criação de «falsas empresas sem qualquer viabilidade» conforma argumentos que podem ser reversíveis em função das concretas situações em que sejam aplicados.

 

  1. Já não, por exemplo a questão da «vantagem», a nível fiscal, por via da recuperação do IVA e a «desvantagem», também a nível fiscal, da incidência do IRC sobre os resultados. O mesmo se diga quanto ao impacto decorrente de passar a ser faturado aos consumidores o IVA sobre o serviço de saneamento à taxa reduzida de 6%.

 

  1. É assim sobre uma dimensão concreta que envolve a análise dos SMAS de Viseu e o projeto de empresarialização proposto em sua alternativa que importa atentar, sem perder de vista, também, as consequências, nomeadamente em termos económico-financeiros, que esta transformação provoca, tanto nas contas do Município de Viseu como nas relações contratuais com os munícipes utilizadores dos serviços de água e saneamento em causa, quer mesmo nos efeitos que sobre estes últimos podem ocorrer, nomeadamente no âmbito económico.

 

  1. Sobre o primeiro requisito – viabilidade económico-financeira da entidade a constituir – os estudos apresentados evidenciam-na claramente. Viabilidade económico-financeira que decorre, aliás, da situação que os SMAS de Viseu têm tido, demonstrando até agora uma performance financeira positiva (vejase o que é referido a página 2 do ESTUDO1 citado sobre a «robustez financeira» da empresa evidenciada pelos rácios económico-financeiros atualmente gerados pelos SMAS de Viseu»). O mesmo ESTUDO1 refere, aliás, a página 31, que «em 2013, no meio de um ciclo de intenso investimento, os SMAS de Viseu registaram um resultado liquido no valor de, cerca, de 1,2 milhões de euros, representado um acréscimo de 6,8% em relação ao ano anterior» e que «o orçamento, para 2015, dos SMAS, «aponta para uma receita corrente de 9,2 milhões de euros, que suportará uma despesa corrente de cerca de 8,5, milhões de euros, gerando um resultado operacional de cerca de 720 mil euros. Este resultado esperado, 150% superior ao esperado para 2014, resulta sobretudo do aumento significativo das «outras receitas correntes» (mais 210 mil euros que em 2014) mas também a reduções significativas nas despesas com pessoal (menos 229 mil euros) e “outras despesas correntes” (menos 130 mil euros”).

 

  1. Estando o requisito da viabilidade económica e financeira assegurado, coloca-se no entanto a segunda questão que deve acompanhar o juízo decisório, ou seja, o seu funcionamento comparado com o modelo atualmente estabelecido na gestão das águas e saneamento de Viseu, por via do SMAS e, cumulativamente, as vantagens que a opção pelo modelo empresarial comporta perante o atual sistema de gestão.

 

  1. A comparabilidade de modelos de gestão deve ser efetuada, no entanto, em função de todos os requisitos exigidos. Ou seja, só faz sentido efetuar uma escolha se se atender a todas as dimensões que estão em causa.

 

  1. Nesse sentido far-se-á, sobre esta matéria uma abordagem prévia aos restantes tópicos a que se alude no artigo 32º do RJAEL.

 

  1. Assim e sobre o tópico «ganhos e qualidade e racionalidade acrescentada» decorrente da atividade até agora efetuada pelo SMAS de Viseu através de uma nova entidade empresarial, os estudos apresentados indicam o seguinte (vide pág.s 41 e 42 do ESTUDO3):

“Os ganhos de qualidade, e a racionalidade acrescentada decorrente do desenvolvimento das atividades de abastecimento de água para consumo humano e recolha e tratamento de águas residuais através de uma Empresa Municipal far-se-ão sentir em diversos domínios. Nos primeiros cinco anos após a entrada em vigor da empresa Águas de Viseu serão alcançadas diversas melhorias. Para o segmento do serviço de abastecimento de água essas melhorias serão as seguintes:

  1. Melhoria da acessibilidade física ao serviço atual de 98% dos alojamentos para 99% já em 2019;
  2. Manutenção das falhas de abastecimento de água num nível bom (isto é, menor que um por mil ramais);
  3. Melhoria da água segura (de boa qualidade) de 95,53% verificada em 2015 para 99,80% em 2021;
  4. Redução do volume de água não faturada de 23% do volume total entrado no sistema em 2015 para 18% em 2020;
  5. Aumento dos investimentos em reabilitação de condutas de 0,1% da extensão total de condutas de abastecimento de água verificados em 2015 para 1,3% em 2021;
  6. Redução do número de avarias em condutas de 17 por cada 100 km em 2015 para 16 em 2017;

(…)
“Para o serviço de saneamento de águas residuais as melhorias na qualidade de serviço prestado são naturalmente distintas, mas são semelhantes na sua extensão, ora veja-se:

  1. Melhoria da acessibilidade física ao serviço atual de 97% dos alojamentos para 98% já em 2020;
  2. Aumento dos investimentos em reabilitação de coletores de 0,26% da extensão total de coletores de águas residuais verificada em 2015 para 1,3% em 2021;
  3. Redução do número de colapsos de coletores de 1,1 em cada 100 km de coletores de águas residuais verificado em 2015 para 1 em cada 100 km de coletores em 2017;
  4. Melhoria do cumprimento dos parâmetros de descarga de 93,6% em 2015 para 98% em 2021.”
  5. Ora sobre este segmento, a questão que se coloca não se afasta da pronuncia efetuada, detalhadamente, pelo parecer da ERSAR que conclui que os referidos índices limitam-se a avaliar «qualitativamente as caraterísticas de cada um dos modelos de gestão (em termos conceptuais e abstratos) e a analisar o desempenho das empresas municipais e dos serviços em gestão direta atualmente existentes num conjunto de indicadores da avaliação da qualidade do serviço realizado pela ERSAR, não sendo feito qualquer estudo do caso concreto quanto ao desempenho que cada um dos modelos de gestão permitiria no que respeita à prestação dos serviços de água do concelho de Viseu».

 

  1. Ou seja, não questionando os ganhos de qualidade e eficiência apontados, a questão central é saber se os mesmos não serão igualmente atingidos com o modelo de gestão vigente.

 

  1. A análise dos referidos estudos e das afirmações nele efetuada a propósito deste item, corrobora a afirmação já efetuada pela ERSAR: os ganhos de qualidade invocados, ainda que objetivamente determinados, não se sustentam em qualquer análise comparatística efetuada, por via dos modelos diferenciados em causa em relação à situação concreta do exercício de gestão dos SMAS de Viseu e a projetada empresa.

 

  1. Ainda que perspetivados num juízo de prognose, certamente com algum grau de falibilidade, seria necessário evidenciar que os atuais SMAS de Viseu não conseguiriam, com o atual modelo de gestão atingir os mesmos índices ou atingi-los com outros custos, eventualmente mais elevados. Nada disso transparece e está demonstrado nos ESTUDOS.

 

  1. Sobre o terceiro requisito, a justificação das necessidades que se pretendem satisfazer com a empresa local, o que resulta dos estudos é uma total ausência de especificação de tal requisito no caso em concreto apreciado. As necessidades que se pretendem realizar, no domínio dos serviços de água e saneamento no concelho de Viseu, são efetuadas pelos SMAS de Viseu num modelo de gestão direta, não se evidenciando qualquer especificidade ou nova necessidade que seja apenas colmatada pela gestão dos referidos serviços pela empresarialização agora pretendida. Em nenhum dos ESTUDOS (1,2, 3 e 4) apresentados há uma qualquer alusão direta a este item.

 

  1. Ainda que inexista em qualquer dos ESTUDOS1, 2 e 3, ainda que de forma indireta, alusão a tais requisitos, a identificação do que comportam as necessidades – nomeadamente por via de «novas» necessidades que se identificam na área de serviço de gestão de águas e saneamento – pode, eventualmente, ser enquadrada na questão suscitada no ESTUDO4, a propósito dos investimentos a realizar no futuro que possam garantir essas necessidades. Nomeadamente nos serviços de abastecimento de água (p. 19), no investimento no serviço de saneamento de águas residuais (p.20), no investimento no serviço de águas pluviais (p.20), no investimento nos restantes serviços (p.21) e nos investimentos comuns (p. 21).

 

  1. Sobre estes investimentos e sobre os eventuais ganhos de qualidade que daí possam advir para os cidadãos por via da empresarialização da atividade, o ESTUDO3 efetua a abordagem (p. 41 e ss) já salientada no § 60. Como se disse no § 61, também sobre tal abordagem não foi apresentado qualquer modelo de comparabilidade, nomeadamente o que seriam esses ganhos se tais investimentos fossem efetuados pelos SMAS de Viseu.

 

  1. Mais, o que se prevê a págs. 24 do ESTUDO4, no capítulo Financiamento é a “contratualização de um empréstimo de 2,75 milhões de euros (para o próximo quinquénio), incluindo a contratualização de uma conta caucionada no valor de 500 mil euros (para fazer face às necessidades de curto prazo)”.

 

  1. Todavia, os reflexos deste endividamento bancário nas contas do Município, tendo em conta o princípio da consolidação das contas do grupo autárquico que, decorre do artigo 75º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (RFALEI), não se encontram estimados nem se efetua uma análise de como se efetuaria o financiamento do plano de investimentos no atual modelo de serviço municipal.

 

  1. Saliente-se igualmente que, quanto ao tarifário – a principal fonte de financiamento corrente – o mesmo ESTUDO4 prevê, para além da sua evolução tendo em consideração o Índice de Preços no Consumidor, “alguns aumentos reais de modo a garantir a remuneração acionista prevista e a permitir a recuperação dos gastos com o serviço de saneamento”. Mais uma vez não se conhece qual o aumento previsto, em comparação com o tarifário em vigor.

 

  1. Ou seja, e sobre este requisito, ainda que essas necessidades tenham sido identificadas – e com uma previsão financeira identificada – nada é referido sobre o grau de cumprimento e a identificação financeira das mesmas por via da sua assunção pelos SMAS de Viseu que permita efetuar o juízo comparativo formulado.

 

  1. Assim, também aqui, não há qualquer possibilidade de efetuar uma comparação sustentada que permita uma opção fundamentada entre o que será o cumprimento das mesmas por um ou outro serviço de gestão das mesmas.

 
73.Sobre o quarto requisito, a avaliação dos efeitos da atividade da empresa sobre as contas e a estrutura organizacional e os recursos humanos da entidade pública participante verifica-se, como já referido, que passa a prever-se no ESTUDO4 a atribuição de subsídios à exploração para os serviços que não são objeto de tarifação no valor de € 705 000,00 anuais, e, quanto a pessoal, a transição de 33 colaboradores para a Câmara Municipal (pág. 9).
 

  1. Sobre este item, concretamente sobre o impacto financeiro da redução do número de trabalhadores a assumir pela empresa a criar, estima-se um impacto de redução de custos diretos para a empresa na ordem dos € 522 mil euros anuais. No entanto, estão previstos aumentos de custos, de idêntico montante, na rubrica trabalhos especializados e subcontratos, com a indicação de que nesta rubrica “encontram-se os encargos com os 33 colaboradores partilhados entre os serviços da empresa municipal e da Câmara Municipal de Viseu contratados pela primeira”.

 

  1. Face a esta situação, referenciada nos Estudos, não está demonstrado o impacto nos ganhos financeiros que resultam da operação, seja para a entidade participante (Município de Viseu) seja para a empresa a criar.

 

  1. Finalmente importa atentar na ponderação do benefício social resultante para o conjunto dos cidadãos que a decisão deve consubstanciar.

 

  1. Na abordagem deste requisito específico deve atentar-se em alguns dados evidenciados com repercussão direta no âmbito de atuação da empresa. Assim a evolução populacional do concelho de Viseu não sofrerá um aumento muito significativo, nos próximos 14 anos, a atentar nas previsões apresentadas no ESTUDO4 (fls. 3), o serviço de abastecimento de água é «quase universal» (cf. fls 3 do mesmo ESTUDO4), sendo previsível apenas um aumento de 2%, nos 14 anos projetados (p. 4 do referido ESTUDO2).

 
78.Concretamente sobre os benefícios sociais atente-se no que é referido pelos três estudos.
 

  1. Do ESTUDO1 a única preocupação que se encontra identificada a propósito dos eventuais benefícios sociais que podem resultar, tem apenas a ver com a preocupação sobre as competências da autarquia no domínio do interesse social. Nomeadamente é afirmado que se pretende «uma solução organizacional, que assegure uma correta proteção e informação dos utilizadores, evitando possíveis abusos decorrentes dos direitos de exclusivo, de garantir o controlo da qualidade dos serviços prestados e a supervisão dos preços praticados» (cf. fls. 41) e que para isso se propõe uma recomendação (a fls. 43) no sentido de que «um dos membros do conselho de administração seja o Presidente do Município ou um vereador».

 

  1. Não é no entanto efetuada qualquer contraposição ao modelo que se pretende substituir, neste âmbito, nomeadamente sobre qual a situação detetada no atual modelo sobre este item e qual a melhor solução, na comparação dos modelos, em função da dimensão do interesse público em causa.

 

  1. Quanto ao ESTUDO4, porque especificamente orientado para a viabilidade económica e financeira da empresa municipal, nada acrescenta sobre o item em causa. Deve no entanto atentar-se para alguns dados aí referidos cuja relevância, em termos sociais – e é só esse item que está em causa – não pode deixar de ser analisado. Trata-se do indicador «pessoal», nomeadamente a evolução do número de trabalhadores.

 

  1. Ora o que se constata da previsão é que 33 trabalhadores atualmente no SMAS transitam para a Câmara. Segundo a perspetiva do Estudo (constante do quadro de fls. 9), quer o número de trabalhadores da «Empresa», quer o valor dos gastos se mantém no período 2017 – 2031.

 
83.Para além das dúvidas, não esclarecidas, sobre o impacto financeiro no domínio dos recursos humanos (já referida no §74), não é claro quais os «benefícios sociais» que decorrem do esquema proposto.
 

  1. Ainda sobre os «benefícios sociais», o que resulta do ESTUDO3, cuja finalidade seria assegurar ganhos de qualidade e racionalidade, como se referiu, conclui o mesmo por um conjunto de afirmações genéricas sustentadas em «inúmeras vantagens na constituição de uma Empresa Municipal para substituição dos Serviços Municipalizados». Ainda que de ordem genérica, não há em todo o estudo qualquer alusão ao benefício social decorrente da empresarialização. Pode contrapor-se a tal omissão a afirmação de que tais benefícios sociais decorrem, implicitamente, das «referidas inúmeras vantagens». No entanto, como decorre do RJAEL, nomeadamente do artigo 32º n.º 2 citado, essa identificação é autónoma e sobre ela tem que ser efetuado um juízo próprio. O que não decorre de tal relatório.

 

  1. Relativamente a este tópico deve, ainda, sublinhar-se que decorre da análise efetuada a eventualidade de aumentos do preço dos serviços prestados, concretamente os relacionados com a distribuição de água, nomeadamente por via do aumento da carga fiscal evidenciada bem como do aumento do tarifário, como foi referido no §70. A ser assim trata-se de circunstância que, aparentemente, colide com a exigência de benefícios sociais que deve ocorrer com a constituição de um novo modelo de gestão.

 

  1. Sobre a fundamentação da deliberação agora apresentada deve, finalmente, mas não menos importante, referir-se que à data em que a mesma foi tomada, os ESTUDOS 1 e 2 que a sustentou, eram muito reduzidos em termos quantitativos e sem qualquer indicação comparativa de natureza financeira, sendo certo que foram esses os determinantes para a opção tomada. Os estudos posteriores (ESTUDOS 3 e 4) mais não fizeram do que arranjar números e dados de previsão para melhor justificar uma opção que não voltou a ser questionada, embora não tivesse sustentação nas exigências dos artigos 18.º nº 2 e 32º da Lei 50/12.

 

  1. Em síntese o que decorre do que vem sendo expendido é que os ESTUDOS 1, 2, 3 e 4 apresentados pelo Município de Viseu para fundar a sua opção de criação de uma empresa local que assuma as atuais competências dos SMAS de Viseu, com a consequente extinção do mesmo serviço, não permitem, de todo concluir pela legalidade e sustentabilidade dessa opção à face dos princípios e normas citados que vinculam tal decisão

 

  1. Como decorre do n.º 1 do artigo 32.º do RJAEL, são nulas «as deliberações de constituição das empresas locais que não sejam precedidas dos necessários estudos técnicos, nomeadamente do plano do projeto, na ótica do investimento, da exploração e do financiamento, demonstrando-se a viabilidade e sustentabilidade económica e financeira das unidades através da identificação dos ganhos de qualidade, e a racionalidade acrescentada decorrente do desenvolvimento da atividade através de uma entidade empresarial». Por sua vez, o nº 2 do mesmo artigo estabelece que «Os estudos previstos no número anterior devem incluir ainda a justificação das necessidades que se pretende satisfazer com a empresa local, a demonstração da existência de procura atual ou futura, a avaliação dos efeitos da atividade da empresa sobre as contas e a estrutura organizacional e os recursos humanos da entidade pública participante, assim como a ponderação do benefício social resultante para o conjunto de cidadãos»

 

  1. Como se referiu, os estudos não contêm elementos que permitam preencher todas as exigências do artigo 32º n.ºs 1 e 2 da Lei 50/2012. A deliberação em que se sustenta a decisão, oposta a essa conclusão, não pode deixar de ser nula à luz de tal normativo.

 

  1. A deliberação agora em análise comporta igualmente a possibilidade de realização de despesas pela entidade participante (o Município de Viseu) por via das consequências financeiras da operação (ainda que não totalmente identificadas). Sendo nula a deliberação de transformação dos SMAS em empresa local, carecem assim de fundamento legal as despesas que decorrem de tal transformação.

 

  1. O artigo 4º n.º 2 do RFALEI estabelece que «são nulas as deliberações de qualquer órgãos das autarquias que envolvam o exercício de poderes tributários, determinem o lançamento de taxas não previstas na lei ou que determinem ou autorizem a realização de despesas não permitidas por lei». Nos termos do artigo 59º n.º 2 alínea c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, «São igualmente nulas as deliberações de qualquer órgão das autarquias locais que determinem ou autorizem a realização de despesas não permitidas por lei».

 

  1. Assim e também com base naqueles dispositivos estamos em presença de deliberações e atos nulos.

 

  1. Conforme já se referiu, a operação em causa está inquinada por nulidades decorrentes da colisão com os artigos 32º n.º 1 do RJAEL, nos artigos 4º n.º 2 do RFALEI e artigo 59º n.º 2 alínea c) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro o que, nos termos do artigo 44º n.º 1 alínea a) da LOPTC, comporta causa de recusa de visto prévio.

 

  1. Deve referir-se que as disposições do RFALEI e da Lei n.º 75/2013 referidas no parágrafo 91 são normas financeiras cuja colisão é igualmente razão para fundamentar a recusa de visto, nos termos do artigo 44º, nº 3, alínea b) da LOPTC as ilegalidades detetadas constituem fundamento de recusa de visto.

 
IV – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, e nos termos das alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 44º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, acordam os Juízes da 1.ª Secção, em Subsecção em recusar o visto à deliberação da Assembleia Municipal de Viseu de 29.06.2015, que aprovou a proposta de “Transformação Institucional dos SMAS de Viseu para Empresa Municipal AdV – Águas de Viseu, E.M. e o Projeto de Estatutos”.  
São devidos emolumentos nos termos do disposto no artigo 5º, n.º 3, do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de maio.
 
 
Lisboa, 26 de junho de 2017
Os Juízes Conselheiros,
(José Mouraz Lopes, relator)
(Helena Abreu Lopes)
(António Francisco Martins)
Fui presente
O Procurador-Geral Adjunto
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