Subserviência perante os supervisores da banca

Em Portugal, os cinco maiores bancos controlam 78,9% de todos os recursos captados aos clientes, e 81,6%% de todo o crédito concedido no país.

  • 20:58 | Segunda-feira, 25 de Julho de 2016
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Segundo os relatórios e contas dos bancos, o crédito total no país registou uma diminuição no período 2007-2015, no entanto o crédito total concedido pela CGD em 2015 (71.376 milhões €) é ainda superior ao crédito total no início da crise, ou seja, em 2007 (68.573 milhões €).

Apesar da taxa de poupança nacional ter diminuído, o valor dos depósitos na CGD continuaram a aumentar tendo passado, entre 2014 e 2015, de 70.718 milhões € para 72.995 milhões €, o que determinou que, no fim de 2015, o rácio de liquidez (LCR) da CGD tenha atingido 146,6%, portanto praticamente o dobro do exigido pelo Banco de Portugal, e que o rácio de transformação tenha sido de 90,1% (por cada 100€ de depósitos que a CGD recebe, concede 90,1€ de credito, o que mostra que a CGD, desde que cumpra os rácios de capital, tem capacidade para conceder muito mais credito à economia e às pessoas, tão necessário à recuperação do país).

Em Portugal, os cinco maiores bancos controlam 78,9% de todos os recursos captados aos clientes, e 81,6%% de todo o crédito concedido no país. É um poder enorme que resulta do controlo de meios financeiros gigantescos. E fazem tudo isto com dinheiro alheio, com o dinheiro que os portugueses depositam na banca. É precisamente este enorme poder, obtido da forma referida, que lhes permite dominar o poder político e os próprios reguladores. O poder político e as entidades supervisoras acabam, no fundo, por ficar reféns do poder financeiro.


No período 2008-2015, os 7 maiores bancos a operar em Portugal, constituíram 22.999 milhões € de imparidades. E isto porque, do crédito concedido em anos anteriores, 22.999 milhões €, provavelmente não seriam recebidos (seriam perdidos) e, por isso, tiveram de considerar esse valor como um prejuízo nas suas contas. Muito do crédito, foi concedido em anos anteriores, sem uma análise correta do risco, ou mesmo sem qualquer avaliação do risco a “amigos” ou para apoiar grupos de interesses, ou então concedidos a setores de atividades especulativa (construção, imobiliário, etc.) ou para operações de especulação (ex. compra de ações), em claro prejuízo da atividade produtiva [1].

E o mais grave é que o crédito tem continuado a diminuir este ano. Entre Dez. 2013 e Jun.2014, reduziu-se em mais 7.006 milhões €, o que revela que a recuperação da economia, não tem correspondência na realidade, já que a economia não funciona sem crédito. O que tem aumentado são as ”imparidades”, ou seja, as perdas prováveis pela concessão de mau crédito resultantes não só da crise, mas também da má gestão que impera em toda a banca. Entre 2010 e Jun. 2014, as “imparidades, aumentaram 79,2%, atingindo 21.776 milhões €, tendo crescido 11,9% só nos primeiros seis meses de 2014 o que confirma também que a situação económica e social do país continua a agravar-se em 2014 o que desmente as afirmações otimistas o governo. Eis os resultados também da “boa gestão dos banqueiros”.

Apesar da perda percentual de valor também se dever à crise, isso não é razão para que não se apurem responsabilidades por GESTÃO DANOSA, já que os atos de má gestão e de compadrio significam perdas de muitas centenas de milhões € para os contribuintes.

Um outro aspeto chocante são as chamadas reestruturações da CGD impostas pelo XIX Governo Constitucional e pela Comissão Europeia (mais uma ingerência), apenas com o objetivo de reduzir custos e de facilitar a concorrência e o domínio da banca privada em Portugal, que está a causar o definhamento e a reduzir a capacidade da CGD para promover o crescimento económico e o desenvolvimento do país.

Durante o XIX Governo Constitucional foram vendidas a saldo participações que a CGD tinha em empresas estratégicas (por ex.: CIMPOR), assim como a área de saúde (Hospitais Privado e o controlo do Hospital público de Cascais) ao grupo brasileiro AMIL participações. Em 2013 e, em 2014, foi a vez da área de seguros (Fidelidade a maior seguradora portuguesa, que detinha 27,2% do mercado de seguros vida e 26,1% do mercado de seguros não vida) que passou para o controlo do grupo chinês FOSUN (80% do capital).

Tinha-se a esperança que a nova administração da CGD fosse escolhida com base essencialmente na competência, na capacidade e idoneidade para pôr a CGD ao serviço do país, promovendo o crescimento económico e o desenvolvimento, deixando de ser um instrumento de satisfação dos interesses em Portugal.

Dos novos 19 administradores da CGD, sete são executivos. Entre os não executivos (12), muitos deles ou não têm qualquer experiência de banca ou a experiencia que tiveram resultou de terem sido escolhidos por meros critérios partidários. Não se percebe nem é aceitável que dois processos distintos – nomeação da nova administração e recapitalização da CGD – tenham sido associados facilitando a chantagem (era bom que tudo isto fosse também bem esclarecido, é preciso saber quem a está fazer). Tudo isto associado à ingerência de Bruxelas (DGComp) e do BCE na recapitalização da CGD e na nomeação da nova administração que está a criar um vazio e um descrédito a nível de gestão com efeitos que poderão ser graves, pois o ativo mais importante de uma instituição financeira é confiança dos depositantes e restantes “stakeholders”.

E as CPI’ tem servido apenas para “parir ratos”. Senão, vejamos:

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o caso BES/GES (apesar das muitas perguntas feitas pelos deputados) pouco ou nada contribuiu para o esclarecimento deste caso, apesar te terem sido apuradas situações que revelam mais uma vez que tanto as autoridades de supervisão como os próprios governos estão reféns dos banqueiros. Ou seja, foram capturados pelo poder financeiro.

Mas antes de analisar essas situações que são importantes, interessa recordar a importância que tem a banca para a economia e para o próprio país, o que é muitas vezes esquecido, assim como o peso que o BES tinha no tráfico de influencias politicas, para se compreender devidamente a dimensão e as consequências deste caso.

Para quem acompanhou o trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao caso BES/GES, certamente terá referenciado, pelo menos, cinco situações que revelam, com clareza, que tanto o governo como os reguladores estão reféns dos banqueiros. E essas situações são as seguintes:

(1) A garantia pessoal de 3.500 milhões € dada pelo Estado português ao BES que transitou para o “Novo Banco”;

(2) O crédito de 3.500 milhões € concedidos pelo BES ao BESA (Angola) que ultrapassou os limites prudenciais fixados pelo próprio regulador;

(3) A ausência atempada de informação à CMVM por parte do Banco de Portugal o que permitiu aos “investidores institucionais” (grandes bancos e fundos) vender atempadamente as ações e outros títulos que possuíam do BES/GES aos investidores iludidos pelas afirmações tranquilizadoras das autoridades (em particular pequenos investidores, fortemente lesados);

(4) A recusa da ministra das Finanças do XIX Governo Constitucional de Portugal em aceitar uma proposta de alteração legislativa do Banco de Portugal que permitia afastar administradores da banca por falta de idoneidade com o pretexto que ela podia ser inconstitucional (o que é um estranho num governo que se caraterizou por aprovar leis inconstitucionais e em afrontar o Tribunal Constitucional);

(5) A sobrevalorização da seguradora Tranquilidade dada como garantia de 700 milhões € ao BES com o acordo do Banco de Portugal.

Comecemos então pela primeira.

1-    Garantia pessoal do Estado Português no montante de 3.500 milhões € concedida ao BES que foi transferida para o “Novo Banco”[2].

2-    Confrontado com perguntas sobre esta questão: …Qual foi o valor das obrigações colocadas pelo BES? Que valor desta divida transitou para o “Novo Banco”? Que garantia do Estado existe em relação a estas obrigações? Que acontecerá no caso desta garantia ser acionado se o “Novo Banco” não pagar as obrigações emitidas aquando do seu vencimento? … Carlos Costa fugiu à questão, respondendo que a garantia tinha sido dada para que o BES pudesse financiar a economia, mas não deu aos deputados qualquer esclarecimento sobre o que aconteceria se tal garantia fosse acionada, e o deputado que fez a pergunta não insistiu. E assim ficam os ex-administradores, supervisores e governantes, impunes perante mais esta divida do BES – 3.500 milhões € – a somar ao empréstimo concedido pelo Estado ao Fundo de Resolução no montante de 3.900 milhões €. É mais um exemplo concreto do Estado ao serviço dos grupos financeiros.

3      – O crédito concedido pelo BES ao BESA (Angola) para além dos limites prudenciais, causou enormes danos em forma de espiral. No setor bancário existem regras prudenciais impostas pelo próprio regulador – o Banco de Portugal – para mitigar (reduzir) o risco que resulta da concentração de crédito e do relacionamento entre contrapartes. E uma dessas regras importantes é que um banco não deve conceder crédito a uma empresa do grupo que ultrapasse 25% dos seus fundos próprios. Apesar dessa regra imposta pelo próprio Banco de Portugal, o BES concedeu crédito ao BESA (Angola) no montante de 3.500 milhões € que ultrapassou o limite de 25% dos seus Fundos Próprios perante a passividade do Banco de Portugal.[3]

4     – A falta de informação à CMVM por parte do Banco de Portugal causou elevados prejuízos nomeadamente aos clientes de retalho. Carlos Tavares, presidente da CMVM afirmou na comissão de inquérito que não tinha sido avisado atempadamente quer pelo governo quer pelo Banco de Portugal da preparação da “Medida de Resolução” pois se o tivesse, teria impedido, nesse período, a transação em bolsa de títulos do BES. A manutenção da CMVM à margem de todo o processo foi altamente vantajosa para os chamados investidores institucionais”, ou seja, os grandes investidores que, informados ou suspeitando da medida que o Banco de Portugal estava a preparar, venderam maciçamente em bolsa os títulos que possuíam do BES, reduzindo assim os prejuízos que iriam ter[4].

5     – A recusa da anterior ministra das Finanças em defender uma proposta de alteração legislativa que permitia ao Banco de Portugal afastar administradores por falta de idoneidade. O governador do Banco de Portugal queixou-se aos deputados da comissão de inquérito que não tinha afastado mais cedo Ricardo Salgado pelo facto do governo não ter aceite uma proposta de alteração legislativa que permitia ao supervisor, em caso de ter indícios seguros de falta de idoneidade de um administrador, afastá-lo. Numa “nota técnica” distribuída aos deputados, o governador do Banco de Portugal disse qual era a alteração que foi recusada pelo ministra das Finanças – ser possível afastar um administrador “entre outras circunstâncias atendíveis, cuja relevância o Banco de Portugal apreciará à luz das finalidades preventivas do artº 30º do RGICSF e dos critérios enunciados no número anterior, considera-se indicador da falta de idoneidade” – já que, com base na lei atualmente em vigor, os tribunais estavam a considerar que só depois de duas condenações judiciais que confirmassem “a gravidade e reiteração das infrações” é que um administrador de um banco podia ser afastado por falta de idoneidade. E o Banco de Portugal, refém mais uma vez dos banqueiros, não quis avançar em demitir Ricardo Espirito Santo Salgado, por falta de idoneidade, pois temia ser desautorizado pelos tribunais[5].

6 – Uma empresa avaliada por 700 milhões € para resolver um problema do grupo BES/GES quando valia apenas 250 milhões €, e aceite pelo Banco de Portugal. Outra situação insólita que se verificou na reunião da Comissão de Inquérito Parlamentar, que mostra também de uma forma clara que o supervisor está refém dos banqueiros, foi quando o presidente do Instituto de Seguros de Portugal afirmou que nunca tinha percebido por que razão a seguradora Tranquilidade fora avaliada pela consultora PwC em 730 milhões €, valor este que foi aceite pelo Banco de Portugal, quando valia apenas entre 200 milhões e 250 milhões €. E aquele valor de 730 milhões € refere-se, como consta também da “Nota técnica” do Banco de Portugal (pág. 4), “à concessão de um mecanismo de garantia ao BES através do qual, em caso de incumprimento da ESI, a ESFG se substituiria à ESI no reembolso do papel comercial”. Por outras palavras, a ESI necessitava apresentar uma garantia de 700 milhões €, e por essa razão a seguradora Tranquilidade foi avaliada por 730 milhões € e aceite pelo supervisor. Desta forma, a própria entidade de supervisão, aceitou uma garantia fictícia já que o seu valor representava cerca de um terço da divida.

É clara a subserviência do regulador em relação aos banqueiros, o que mostra também o tipo e a qualidade de supervisão bancária existente em Portugal, que não pode tranquilizar os depositantes que confiam as suas poupanças aos bancos nem outros credores da banca que ficam reféns da protelação de expectáveis soluções legítimas, mas pendentes[6] como é o exemplo da assinatura de um Memorando de entendimento com os investidores não qualificados titulares de papel comercial do Grupo Espírito Santo.

Fica a prova de uma forma clara, do enorme poder dos banqueiros, fazendo os portugueses correrem um risco muito elevado que está a ter consequências dramáticas e irreparáveis para todos, desde logo com a perda de 12.000 trabalhadores nos últimos 8 anos, o cenário da liquidação do N.B e o impacto que isso tem para a Economia.

 

[1] Segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal, 56,5% do crédito concedido foi à construção, ao imobiliário e habitação, enquanto o crédito concedido à atividade produtiva (industria transformadora e extrativa) representou apenas 6,7% do crédito total. As enormes imparidades (22.999 milhões € só no período 2008-2015) representaram uma perda de 8,3% do crédito bruto total concedido pelos 7 maiores bancos a operar em Portugal. No entanto se analisarmos as perdas por bancos constatamos que elas variam muito de banco para banco, fruto de má gestão já que todos tiveram de enfrentar a mesma crise.
[2] Na pág. 59 do Prospeto da emissão de ações no valor de 1.100 milhões € do BES realizada em Maio-Junho de 2014 pode-se ler o seguinte: “O BES tem atualmente três emissões de obrigações não subordinadas que se vencem em Dezembro de 2014 e Fevereiro de 2015, emitidas com garantia pessoal do Estado Português no montante global de 3.500 milhões €”. Por outro lado, na pág. 67 do Relatório do Orçamento do Estado para 2015, no quadro “stock da divida garantida pelo Estado às instituições de credito” estão inscritos precisamente 3.500 milhões € de garantia do Estado ao “Novo Banco”.
[3] Confrontado com uma pergunta feita por um deputado sobre esta matéria, o governador do Banco de Portugal deu mais uma vez uma resposta que mostra bem a subserviência do supervisor aos banqueiros. E a resposta foi a seguinte: Como o BESA era uma empresa subsidiária do BES, e era consolidado nas contas do BES, e como esse crédito era um bom crédito esse limite não se aplicava. O certo é que esse crédito não era um bom crédito como se veio a provar, causando elevados prejuízos aos clientes de retalho, contribuindo também para a ruína do BES. Mais um exemplo das consequências do supervisor se encontrar refém do capital financeiro.
[4] Confrontado com uma pergunta na comissão de inquérito sobre esta matéria – Que investidores institucionais estavam a ser investigados por suspeita de terem tido acesso a informação privilegiada? … Carlos Tavares, alegando segredo de justiça, não respondeu. No entanto, era importante que os deputados da CIP tivessem procurado saber quais foram os “investidores institucionais” que venderam maciçamente títulos do BES e que investidores compraram nesse período, pois ficaria assim claro quem foi beneficiado pelo facto de nem o governo nem o Banco de Portugal terem avisado atempadamente a CMVM da medida de Resolução em preparação.
[5] Confrontada a ministra do XIX governo constitucional com esta acusação do governador do Banco de Portugal, a resposta não deixou de ser surpreendente e surrealista: “Esse passo ia para além do razoável, era ir longe de mais, era discricionário, tinha relutância em aceitar esse poder”, o que não deixa de ser surpreendente por parte de um membro de um governo que tentou por mais de uma vez violar a própria Constituição da República, e que reiteradamente não respeitou os direitos adquiridos assim como as expetativas legitimas dos portugueses. Em tudo isto fica também claro a subserviência do poder político e dos reguladores aos banqueiros, uns por medo que os tribunais os desautorizaram, outros com o receio de desagradar os grupos financeiros.
[6] Podendo reclamar sobre o Fundo de Resolução os credores cujos créditos não tiverem transitado para o Novo Banco (conforme determina o artigo 145.º-B/3, RGIC, na versão em vigor no momento da aplicação da medida de resolução).

 

 

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