SOUTOSA I – UM CAMINHO A FAZER

  O meu pátio não é grande como o eido das herdades lá para o Sul (…). Mas é acolhedor, aconchegado e aberto a quem vem. Di-lo à boqueira aquele S. Pedro em mármore de Pero Pinheiro, que ainda não despegou as chaves da ilharga par fechar o quer que seja. Assim escreve Aquilino Ribeiro, […]

  • 13:36 | Quarta-feira, 28 de Outubro de 2015
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O meu pátio não é grande como o eido das herdades lá para o Sul (…). Mas é acolhedor, aconchegado e aberto a quem vem. Di-lo à boqueira aquele S. Pedro em mármore de Pero Pinheiro, que ainda não despegou as chaves da ilharga par fechar o quer que seja.

Assim escreve Aquilino Ribeiro, na Geografia Sentimental, esse delicioso Roteiro que leva de Viseu, atravessando a mais genuína geografia da Beira, até às arribas do Douro, nas abas de Tabuaço, de onde outro reino se contempla, o enfeitiçado mundo de Miguel Torga.


SOUTOSA, a algumas léguas de distância que hoje se fazem sem cansaço, fica sendo a mítica aldeia onde Aquilino pousou nos verdes anos, ali chegado aos dez e de onde partirá, homem feito, a aldeia entranhada no sangue, como ele diz, a aldeia onde regressa no intervalo das grandes errâncias, gozoso e sentimental, e onde, no largo ocaso da vida se acomoda durante os largos meses de Verão, serrano sempre, como seus irmãos, lavrando chãos de outras glebas, páginas de bronze que nos cumpre a nós guardar íntegras, ao contrário dos trolhos dos centeais que os ventos de muitos Invernos desfizeram nas courelas de penoso lavradio.

Soutosa é casa de família, é ninho, repousam no cemitério as cinzas de seus pais e a memória de uma mulher que amou, a primeira, ali se guarda, os filhos que gerou ali poderiam ter nascido, mas o destino trouxe-os de mais longe, ainda brincaram com o rapazio da aldeia, conviveram, homens feitos, com os filhos dos serranos de quem o pai deixou os mais singulares retratos, o mais velho ali quis repousar. No pátio sombreado pelas tílias puderam brincar ainda os netos que houvera do mais novo de seus filhos. Quando o avô já partira de viagem.

Soutosa, sim, é lugar obrigatório para ir. É caminho para fazer.

As tílias continuam a cobrir de sombra o pátio abonado onde o S. Pedro de mármore de Pero Pinheiro retém o molho de chaves que essas não usará, creio, para fechar portas. Só é preciso que uma mão se nos estenda ao pé da porta.

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