Palavras, sim! O silêncio é que não!*

    1. Gosto do silêncio. Da insonorização da vida. Mas gosto bem mais, muito mais, mesmo que me firam, das palavras que me disseste, que me dizes, que me dizem. Elas, as palavras, são gramática afetiva, geografia sentimental. Elas são corpo, elas são alma. Por mais que Eugénio de Andrade nos tenha dito, e […]

  • 9:49 | Domingo, 03 de Julho de 2016
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1. Gosto do silêncio. Da insonorização da vida. Mas gosto bem mais, muito mais, mesmo que me firam, das palavras que me disseste, que me dizes, que me dizem.


Elas, as palavras, são gramática afetiva, geografia sentimental. Elas são corpo, elas são alma.

Por mais que Eugénio de Andrade nos tenha dito, e disse, que “as palavras estão envelhecidas e envilecidas”, e estão, foi por elas que fomos e somos Camões ou Sophia, Torga ou Pessoa. Foi por elas que fomos e somos Aquilino ou Saramago, Ferreira de Castro ou Eduardo Lourenço…

É, pois, por elas e com elas que vamos em cada encontro que travamos com o tempo e em cada tempo que (re)memorizamos. Sejam punhais ou flores, sejam dores ou traição, são elas, as palavras, que sempre estão no dia da festa da vida, ou na morte, nesse fim de tudo, ou nesse filme de tudo que, se diz, veem aqueles que estão no seu fim.

Gosto, pois, do silêncio. Da ausência de sons e de palavras. Mas gosto bem mais, muito mais, mesmo que me fraturem, das palavras que me atiraste de cernelha ou em pega frontal.

Fala-me, falem-me, então do fervilhar. Dessa panela ao lume, deste borbulhar. Falem-me com palavras, daquelas que estão estampadas nos dicionários, mas também, mas sobretudo, com aquelas que ninguém conhece. Com aquelas que os motores de busca censuram. Com aquelas que que os acordos ortográficos não certificam e ignoram. Falem-me com essas. Com essas que só tu sabes onde estão.

Mas falem-me! Podem falar-me com as palavras que quiserem! O silêncio é que não!

Falem-me mesmo com as palavras clandestinas. Mesmo com aquelas palavras que são perseguidas em qualquer síria ou somália deste ou daquele tempo. Falem-me, falem-me com palavras esventradas com roquetes ou espezinhadas com ódio. Podem mesmo falar-me com palavras refugiadas. Até me podem falar com aquelas palavras naufragadas (e tão ignoradas!) nos mediterrâneos desta crua vida. Mas não deixem de me falar também com as palavras corrompidas e prostituídas em cada ramal de estrada. Em cada escuro vão de escada.

É que as palavras, elas, são veículos, os únicos, as locomotivas da criação. As palavras, elas, são elas que nos transformam em parceiros, em par. Em rosto verdadeiro, em rosto humano.

Gosto, pois, do silêncio. Como disse, gosto da insonorização da vida. Mas gosto bem mais, muito mais, mesmo que sejam zagalotes, das palavras que me disseste, que me dizes, das palavras que me dizem e que me falam de nós, que me falam do viver, que me falam deste teatro, que me falam da vida.

O silêncio… o silêncio é que não!

2. Serve o que precede para me congratular com aqueles que escrevem, com os escritores… e são tantos! Com todos aqueles que não querem só para si as ideias que percorrem os seus labirintos da criação. Que teimam em não se silenciar nestes tempos da hipermodernidade em que tantas vezes imperam os cínicos silêncios.

Ninguém me levará a mal que particularize nos escritores da minha terra, da minha região, que quiseram e querem, que ousaram, estar aí, que nos deixaram a sua escrita, as suas palavras.

Parabéns a todos.

* – Em jeito de homenagem aos escritores

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Publicado em Opinião