Os brasileiros

Já tinha sido avisado mas, como S. Tomé, só vendo! Um dia destes tive que ir ao Porto, e, como qualquer parolo que se preze, não resisti a entrar no Corte Inglês em Gaia, que é, como se sabe, a terra onde o LFM exercia o cargo de Presidente da Câmara

  • 19:09 | Quinta-feira, 04 de Setembro de 2014
  • Ler em 3 minutos

Já tinha sido avisado mas, como S. Tomé, só vendo!

Um dia destes tive que ir ao Porto, e, como qualquer parolo que se preze, não resisti a entrar no Corte Inglês em Gaia, que é, como se sabe, a terra onde o LFM exercia o cargo de Presidente da Câmara, digo exercia, porque nunca lá aparecia e administrava aquilo pelo telemóvel, continuando aqueles bacocos a pagar-lhe o ordenado.

Voltando à história.


Dizia eu, que embora avisado, não acreditara. E em quê? Que estávamos a ser invadidos por brasileiros…ros, não, ras!

A ideia que eu faço dos brasileiros não é, forçosamente a mesma que faço das brasileiras. Por motivos óbvios, elas dão muito mais serventia e animam muito mais. Eles, pelo menos os que para aqui emigram à procura da sorte (pois que trabalho encontram pouco), sempre me deixaram a impressão de serem aqueles tipos moles, com poucas habilitações, habituados a fazer muito pouco ou nada, originários das grandes metrópoles e do Nordeste, sobrevivendo de expedientes e derretendo à sombra da bananeira com um “suco de coco” a refrescar as goelas, olhando descaradamente para as mulatinhas que enxameiam as favelas e os bairros periféricos, e, pobres de morrer. Mas devo andar enganado.
Acontece que parei para avaramente deitar uns poucos litros de gasolina no meu velho companheiro de há 20 anos. O mínimo para a viagem, porque, quase 270$00 o litro, custam a dar. Quem me atende?

Ói, siô! Dá normau ou dá especiau? – disse a cantar um brasuca de boina verde.

– 20 litros da normal.

– Tudo bem, siô!

A minha prima Carminda, que me acompanhava, de rosário na mão (o que é habitual quando as viagens têm mais de 30 quilómetros) e ainda não se tinha calado com a conversa sobre a nova igreja de Fátima, olhou de soslaio, deixou que os olhos mostrassem um brilho fugaz não habitual nela, disse entre dentes e baixinho:

– Não está mal, o pretito!

– Hã? – eu queria que ela repetisse, mas, apanhada em pecado, corrigiu o tiro.

Nada! Estava cá a pensar numa coisa. Será que à vinda dá para passar por Fátima?

Nem respondi. Com mais 20 quilos de bagagem no depósito, lá fui. A25, A1, Vila Nova de Gaia, à direita, parque de estacionamento e uma voz:

Bom dia, siô! Qué lavá o automóveu?

Que não e andei com a minha prima Carminda a olhar para trás.

Aquela porra do Corte Inglês é mesmo grande. À espanhola!

Logo à saída do elevador um par com bom aspecto, diga-se, ele de fato e ela de saia e casaco, dirigiu-se-nos e lá veio outra vez a cantata.

Ela: – Bom dia siô! Posso incomodá um pouquinho?

Ele: – Como vai a sinhora? Posso lhe roubá uns minutinho só?

Ela: – Posso lhe mostrá uma cadeira medicinau, que átravéis da vibráção lhi vai dá discanço e lhi vai relaxá o corpo?

Ele: – À sinhora pode sentá? Vou-lhe dá uma massage com esti aparelho nas costa e no piscoço e vai lhe relaxá o corpo todo o dia? Podi sê?

A minha prima Carminda estava corada e ofegante. Deixava que o fato com um brasileiro lá dentro lhe pegasse na mão e lá ia ela, como uma andorinha cor-de-rosa, a voar atrás dele.

Eu lá me desembaracei como pude, e, a brasileirita, lá foi cantar para outro passante.

Carminda! Vamos lá! Paramos à volta! Agora não temos tempo. Vamos! Eu bem queria tirá-la dali, mas ela, moita, nem me ouvia. Comecei a ficar preocupado porque nunca a vira assim. O rosário, que trazia sempre na mão, como os muçulmanos, jazia no fundo do bolso do casaco bem tapado com o lenço de assoar, não fosse perdê-lo, acho eu.

Ó primo, então, é só um minutinho. É para ver se me passa a dor de costas da viagem. E não se paga nada, sabe?

Que mel teria aquele gajo que era ela agora quem lhe agarrava a patorra e o arrastava para a cadeira, estrategicamente colocada no meio do corredor?

Ai primo, que pressa! Credo!

E pronto, lá se sentou com aquele tipo, todo mesuras, a fazer-lhe cócegas, durante 10 minutos, no pescoço, na nuca, nas costas, na nuca, nas costas, na nuca e por aí fora.

E ela arfava, arfava!

Arrancá-la dali, foi o cabo dos trabalhos.

Nas duas horas que lá passei, comprei umas meias e um aftershave. A minha prima Carminda não comprou puto mas andou o tempo todo:

Ai primo, que bem que me sinto! Que mãos as do rapaz! Se aquilo não fosse tão caro! Que dinheirão que eles pedem! Minha Nossa Senhora! Mas que mãos, que mãos! É um artista!

Para sairmos, fiz tudo, e consegui, para não passarmos no “mãozinhas abençoadas”.

À vinda, sem o passa-contas do rosário e já esquecida da ida a Fátima, ainda teve a lata de dizer entre dois suspiros:

– Primo, ainda bem que estes pobres dos brasileiros falam a nossa língua. Se assim não fosse, coitadinhos, como é que nos iam entender? E, digo-te, aquele pobre moço, tinha cá umas mãos! Um verdadeiro artista, é o que é! …Voltas ao Porto, quando?

Gosto do artigo
Publicado por