O perigoso nevoeiro

Partilho com muitos portugueses uma grande apreensão e angústia com o momento que vivemos, e que se caracteriza por um nível muito elevado de hipocrisia, por enganos sucessivos que têm afundado o país, pela destruição progressiva da classe média e pelo enorme desinteresse dos jovens pela vida pública do país. Na verdade, tudo isso fica […]

  • 9:26 | Sexta-feira, 22 de Maio de 2015
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Partilho com muitos portugueses uma grande apreensão e angústia com o momento que vivemos, e que se caracteriza por um nível muito elevado de hipocrisia, por enganos sucessivos que têm afundado o país, pela destruição progressiva da classe média e pelo enorme desinteresse dos jovens pela vida pública do país.
Na verdade, tudo isso fica bem mais evidente em momentos de campanha eleitoral nos quais os políticos dizem, às vezes na mesma frase, coisas absolutamente antagónicas e que diferem também daquilo que foram dizendo em vários momentos da sua vida política. E fazem-no sem a mínima reflexão crítica, sem argumentos que justifiquem mudanças de opinião, nem sequer com uma tentativa de narrativa que empregue alguma razoabilidade aquilo que atiram pela boca fora no momento; porque é tudo isso que importa: o momento.
Mas importa-me registar aqui duas coisas que considero muito relevantes. Uma delas é o estudo publicado no site da presidência da república sobre o interesse dos jovens pela política e pela vida do país. São números absolutamente assustadores. Dos jovens entre os 15 e os 34 anos, 57% não se interessam nada por política o que equivale a exatamente o dobro do que acontecia em 2007. Esse desinteresse é bem marcado pela sua participação cívica: só 4% participam em partidos (14% em 2007), 4% em sindicatos (12% em 2007) e 6% em organizações profissionais (20% em 2007). Ou seja, as juventudes partidárias que alimentam os vários governos só agregam uma ínfima percentagem dos jovens portugueses. Não vi dessas organizações a mínima reflexão sobre estes números, nomeadamente uma autocrítica sobre a sua própria representatividade e sobre o interesse (para os jovens) da sua existência.
Mas ainda mais preocupante é a gradual destruição da classe média. Tenho a profunda convicção que a maior garantida de uma boa gestão do país depende de uma forte e representativa classe média, a qual é também a garantia de mudanças estruturais firmes e duradouras operadas num quadro de estabilidade. O que vejo é um enorme aumento das desigualdades na distribuição dos rendimentos (reconhecido recentemente pela OCDE), criando assim uma muito maior fatia de pessoas com menor poder de compra (classe média destruída e marginalizada) o que obviamente afeta o crescimento económico. Esse, cada vez mais anémico, em vez de ser canalizado para fortalecer a classe média, criando mais e melhores empregos, dando perspetivas de vida e de futuro aos jovens e permitindo um quadro de estabilidade, é usado para recompensar a minoria dos mais favorecidos em detrimento de um crescente número de marginalizados. A crise tem mostrado que o caminho da sustentabilidade das contas públicas é necessário, mas isso não pode ser feito a qualquer preço ou com qualquer terapêutica sem ter em conta efeitos secundários. É necessário um compromisso, com tempo, entre ajustamentos fiscais e crescimento económico, contando com medidas agressivas e diretas de apoio ao trabalho e à criação de emprego que podem ser implementadas por vários países em cooperação. Esse é um papel que a Europa tem de desempenhar e que, aparentemente, não a preocupa. A sua única preocupação são doses excessivas de austeridade que não percebem que é crítico salvar empregos e é essencial criar um clima de confiança a médio e longo prazo propício à criação de emprego. O caminho que seguimos não é só suicida no curto prazo, tem também como resultado o enfraquecimento do motor da democracia e da exigência inerente à democracia que é a classe média. E isso criou este imenso nevoeiro que paira sobre a Europa e sobre o seu futuro. Um nevoeiro muito estranho que anuncia mudança, mas não deixa ver o que está do outro lado, ou seja, aquilo que nos espera. Com classes médias fortes e muito alargadas as mudanças são previsíveis, estruturantes e com elevados níveis de exigência e responsabilização. Assim não serão. Talvez seja esse o objetivo.
(Publicado no dia 22 de Maio de 2015 no Diário As Beiras)

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Publicado em Opinião