Nos incêndios também há género

Hoje, o negro das cinzas confunde-se com as vestes e as capuchas, os xailes que lhes acalentam os invernos. Tudo negro no desalento do eterno recomeçar.

  • 10:47 | Segunda-feira, 26 de Fevereiro de 2018
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Nas aldeias despovoadas e envelhecidas do interior, consequência de políticas de desvalorização do mundo rural e da produção local, elas ficaram para além da emigração dos homens, elas sobrevivem na viuvez, elas cuidam das habitações dos senhores que moram na cidade

São elas que vestem o negro da ausência, que cuidam dos netos quando os filhos rumam em busca do sustento, hoje como ontem, para além da fronteira espanhola nas carrinhas que os levam e trazem no intervalo de erguer paredes no país alheio.

São elas as guardadoras de um modo ancestral de relação com a terra, com os animais. São elas as cuidadoras de flores de soalheiro, que conhecem em designações que lembram as mesinhas e as rezas de bem-fazer. Os afetos, os autênticos, são elas que os cultivam no afagar dos animais que ganham nome de gente, ao ritmo do cuidar quotidiano que lhes enche os dias de solidão, porque ficaram sós, sobreviventes às perdas e ao esquecimento.


Hoje, o negro das cinzas confunde-se com as vestes e as capuchas, os xailes que lhes acalentam os invernos. Tudo negro no desalento do eterno recomeçar.

Foi esta cultura ancestral capaz de contribuir, de forma ativa, para a gestão de combustíveis. Foi a cabrita que lhes dava o leite diário que roeu o mato. Foi a horta familiar que cuidou o terreno, evitou o mato. Foi a eira, o fontenário e o tanque coletivo, elementos relevantes nesta identidade descuidada e desvalorizada.

Não está feito este balanço (devia ser feito!) mas certamente que, nas aldeias mais despovoadas deste interior esquecido, são elas as mais castigadas neste drama evitável que se abateu sobre as aldeias e as vilas, onde o silêncio pesa a cada dia que passa sobre as labaredas malditas.

Este é um texto escrito em outubro de 2017, mas ainda atual. Fala das gentes da minha terra, de mulheres do meu país que me fazem ir a lisboa, como no poema, dizer aos senhores que de lá mandam, que a igualdade está por cumprir.

Dia 10 de março, será também por estas mulheres que acompanho o Núcleo de Viseu do Movimento Democrático de Mulheres naquela que será uma grande festa do feminino onde também os homens têm lugar porque sem eles a igualdade é uma palavra sem sentido.

Um desfile, uma manifestação, uma festa, a celebração da igualdade, a evocação de quantos lutaram e lutam por um mundo melhor onde a justiça social não seja mera expressão inscrita nas paredes.

Vens comigo?

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Publicado em Opinião