Há exactamente 30 anos

Há exactamente 30 anos, depois de almoço, tinha eu 11 anos e muito cabelo, sou sobressaltado com o toque da sirene dos Bombeiros Canas Senhorim (AHBV). Miúdo que era e em resultado da adrenalina que isso já produzia em mim peguei na minha bicicleta e desloquei-me para a antiga passagem de nível da Urgeiriça para […]

  • 11:21 | Sábado, 12 de Setembro de 2015
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Há exactamente 30 anos, depois de almoço, tinha eu 11 anos e muito cabelo, sou sobressaltado com o toque da sirene dos Bombeiros Canas Senhorim (AHBV). Miúdo que era e em resultado da adrenalina que isso já produzia em mim peguei na minha bicicleta e desloquei-me para a antiga passagem de nível da Urgeiriça para ver se podia ir dar uma espreitadela ao incêndio que julguei estar a acontecer.

Chegado lá vi passar algumas ambulâncias, o “carro de nevoeiro” e mais, e mais, e mais. Algo de excepcionalmente grave se passava.

Logo ali uns populares diziam que se tratava de um acidente. Pensei que seria mais um rodoviário junto às “piscinas” (muitos acidentes trágicos ocorriam junto à antiga piscina do Hotel Urgeiriça), o que afinal não correspondia à verdade. Posteriormente alguém diria que havia um acidente com comboios. Estupidamente fiquei aliviado acostumado que estava a acidentes mortais na tal “piscina”. No imediato não me acorreu que um acidente com comboios seria uma coisa tremenda.
No regresso a casa alguém me perguntava se o meu pai tinha ficado debaixo do comboio ao passar a linha com o carro ao ir a para um incêndio. Em casa a minha mãe tinha ouvido a mesma coisa. A tragédia era imensa mas não me afectava directamente. A informação era de uma colisão entre dois comboios. Todos os Bombeiros, GNR, Cruz Vermelha, profissionais da saúde e outros, da região acorriam ao local a tentar ajudar. Acompanhei de perto o envolvimento dos Bombeiros de Canas e um pouco menos a da  Associação Humanitaria Bombeiros Voluntários de Nelas, e sei o que muitos destes homens passaram. Horas sem dormir e sem comer numa azafama empenhadíssima para salvar o que podia ser salvo. Apenas 3 dias antes, a 8 de Setembro, tinham sido testemunhas da morte de 11 dos seus bravos em Armamar e, naquele dia, tinham diante dos seus olhos algo que nunca mais conseguiriam esquecer. Recordo-me de ouvir muitas histórias que também nunca esquecerei. O empenho e a abnegação de todos foi extraordinária e constituiu um exemplo para mim. Eu também queria ajudar e iria, logo que pudesse juntar-me a eles.


Em minha casa os meus pais acolheram um casal de passageiros durante 2 dias e deles ouvi relatos na primeira pessoa.

Ao fim de 2 dias desloquei-me às imediações para ver o meu pai e pude, a alguma distância, verificar parte da tragédia que ali tinha ocorrido. Tudo era grande demais.

Há nos Bombeiros um conjunto de registos vídeo e fotográficos que observei anos mais tarde e que só reforçou o que experenciei ao longe. Aqueles homens tiveram uma espécie de inferno para retirar os seus concidadãos do seu. Isto numa altura em que ser Bombeiro era um exercício mais sentimental do que técnico. As coisas mudaram felizmente (a Autoridade Nacional de Proteção Civil é incomparavalmente mais eficaz do que era o SNB), mas o empenho da altura em nada diminui a capacidade que tiveram para resolver o que tinha resolução.

Em memória das vítimas e das histórias que nos fortalecem, um bem-haja a todos.

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Publicado em Opinião