É UM CASO RARO

    Há coisas estranhas e surpreendentes. Ainda que o ser humano seja criativo, há procedimentos básicos de controlo interno das organizações que servem para coartar muitas das putativas más intenções de um dirigente sem escrúpulos. Ora vejamos, nas instituições em que assumo responsabilidades, para que seja efetuado qualquer pagamento, ou seja, saída de dinheiro, […]

  • 11:26 | Terça-feira, 12 de Dezembro de 2017
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Há coisas estranhas e surpreendentes. Ainda que o ser humano seja criativo, há procedimentos básicos de controlo interno das organizações que servem para coartar muitas das putativas más intenções de um dirigente sem escrúpulos.


Ora vejamos, nas instituições em que assumo responsabilidades, para que seja efetuado qualquer pagamento, ou seja, saída de dinheiro, há várias pessoas diretamente envolvidas: uma responsável administrativa que lança a despesa na contabilidade, uma segunda que dá a ordem de pagamento na entidade bancária e que será posteriormente assinada pelo presidente e validada e executada pelo tesoureiro. Há ainda o Técnico Oficial de Contas que valida as operações que são apresentadas, obrigatoriamente, aos associados em Assembleia Geral e remetidas para a Segurança Social, entidade com quem temos assinados protocolos de cooperação à qual somos obrigados, como não poderia deixar de ser, a prestar contas anualmente. Esta é a prática que conheço. Em alguns casos há ainda a supervisão do Revisor Oficial de Contas.

Como pode uma só pessoa cometer, segundo a reportagem da jornalista Ana Leal, tantos atos inaceitáveis, ao longo de tantos anos? Para reflexão…

Se todos os dados apresentados no trabalho de investigação da TVI forem provados, faça-se justiça.

Os danos causados ao setor social já não são reparáveis.

Todavia, a instituição não deve ser dizimada, os seus colaboradores prejudicados e, o principal, as pessoas que por ela são servidas desapoiadas.

Quero acreditar que, a serem verdadeiros todos os factos enunciados, este caso, agora trazido à praça pública, será uma exceção que confirma a regra.

Sei bem o quão dura é a vida das IPSS, todos os dias contamos os cêntimos para tentar, por vezes sem sucesso, honrar os compromissos assumidos com os colaboradores, fornecedores, obrigações fiscais…. resistir mês após mês, sem saber até quando.

Muitas organizações apenas se mantêm em funcionamento graças ao espírito de sacrifício dos seus colaboradores, associados, voluntários e dirigentes.

Nos últimos anos, direi mesmo na última década, fruto da conjuntura vivida no nosso país, temos feito tudo para sobrevivermos, sem saber até quando resistiremos…

Este caso, ancorado na possível gestão danosa e abuso de poder de uma dirigente, deve na minha ótica, despoletar uma reflexão muito mais ampla.

Em anos de profunda crise económica que afetou fortemente o nosso país, não sendo as Instituições Particulares de Solidariedade Social exceção, como poderão algumas organizações encontrar meios e recursos que lhes permitam fazer face a encargos que não sejam os que decorrem das suas obrigações legais?

Não deixa de ser estranho que existam organizações a lutar, dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, pela sua sobrevivência; pela continuidade dos serviços prestados à comunidade, bem como pela manutenção dos postos de trabalho dos profissionais que vestem a camisola, acreditam no que fazem e querem, efetivamente, contribuir para o bem comum e outras que possam dar-se ao luxo de pagar honorários principescos.

A propósito, como refere a CNIS em comunicado, “Não há tabelas salariais para dirigentes, mas apenas a definição legal estabelecida no estatuto jurídico das IPSS, Decreto-Lei nº 172-A/2014, de 14 de Novembro. Foi aprovado em Conselho de Ministros, em 2014, permitindo aos dirigentes auferirem salário, num máximo de 4 IAS (Indexante dos apoios sociais).

É com profunda mágoa que afirmo não saber quanto mais tempo conseguiremos resistir, mas com um orgulho imenso de poder contribuir, há alguns anos, num setor, o Terceiro Setor, que pugna pela dignidade humana e diminuição das assimetrias sociais.

Rejeito, em toda a linha, a afirmação do jornalista Daniel Oliveira, no Expresso online: “A história contada pela TVI poderá ser mais grave do que outras histórias que conhecemos, mas ela é, em dimensões diferentes, muito mais comum do que pensamos.

Lamento que lance tal anátema sobre organizações das quais pouco ou nada conhecerá. Conhecedor profundo, aqui saberá do que fala, da política nacional, não poderia deixar os seus créditos em mãos alheias e conclui o seguinte, “De repente, parece que o que nos foi relatado só nos incomoda se estiver envolvido um malandro de um político.”

 

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Publicado em Opinião