Chocante

É absolutamente chocante o que se passa em Portugal: apercebemo-nos que apesar de tudo nada muda e continuamos a insistir nos mesmos erros sem nenhum tipo de responsabilização. Leio estupefacto que, afinal, pode haver outra explicação para os crónicos problemas financeiros do país e a recente bancarrota. Atribuímos isso à nossa desorganização, à ausência de […]

  • 11:50 | Sexta-feira, 28 de Agosto de 2015
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É absolutamente chocante o que se passa em Portugal: apercebemo-nos que apesar de tudo nada muda e continuamos a insistir nos mesmos erros sem nenhum tipo de responsabilização. Leio estupefacto que, afinal, pode haver outra explicação para os crónicos problemas financeiros do país e a recente bancarrota. Atribuímos isso à nossa desorganização, à ausência de reformas, à incapacidade de eleger e avaliar a ação dos governantes, à corrupção e ao amiguismo, à partidocracia que esgota todas as formas de participação cívica, etc. Mas ao ler que o INEM comprou monitores de sinais vitais para usar nas suas ambulâncias que são inadequados para uso em veículos – como, aliás, está devidamente escrito no manual de instruções – avanço com outra explicação, talvez surpreendente: estes decisores, apesar de longuíssimos currículos académicos, são analfabetos e não sabem, pura e simplesmente, ler. É inacreditável e deixa-me profundamente irritado, até porque estes “investimentos” destinam-se a cuidar da vida dos portugueses e são pagos com o dinheiro dos contribuintes. Ou seja, também com o meu dinheiro.
E irrita-me ainda mais que os políticos não respeitem os cidadãos e os tratem como pessoas menos esclarecidas. É o caso do Secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, que justificou desta forma o inacreditável concurso por Ajuste Direto de concessão dos STCP e Metro do Porto, feito à revelia dos autarcas da região, feito depois de ter falhado um concurso público que lançou há cerca de 1 ano, e sem ter em conta as mais básicas regras de bom-senso e respeito pela causa pública: “Estamos a falar de um procedimento que é igual ao concurso público internacional em tudo, excepto no prazo para apresentação de propostas.” Como dizia João Miguel Tavares, ontem no Público, aparentemente um cavalo é em tudo igual a uma zebra, à exceção das riscas e de tudo o resto que o Secretário de Estado haveria de descobrir se tentasse cavalgar uma zebra. Se é tudo igual porque razão não fez concurso por ajuste direto há um ano atrás, poupando imenso tempo e dinheiro aos contribuintes? E porque não coordenou com os autarcas da região, muitos deles do seu próprio partido, um assunto que lhes diz respeito e do qual são eles os melhores conhecedores e até, no caso do Metro do Porto, acionistas de referência (40%)? Porque insiste em fazer estas coisas em cima do joelho? Não se lembra o Sérgio Monteiro das negociatas no sector rodoviário (PPPs) que andamos todos a pagar e que foram sempre feitas no interesse dos privados, com procedimentos que eram em tudo iguais aos procedimentos que defendem o interesse público? Com uma única diferença: é que não defendiam e, em consequência, oneram hoje fortemente o Orçamento de Estado que é feito tendo por base o dinheiro dos contribuintes. Uma decisão que a todos nos devia envergonhar e fazer questionar sobre os procedimentos do Estado.
Mas fiquei verdadeiramente estarrecido ao ler na comunicação social várias notícias sobre os contratos de associação com colégios privados. Para além de se perceber que o famoso grupo GPS continua a ser financiado com dinheiro dos contribuintes – apesar da investigação a decorrer no DIAP de Lisboa por suspeita de apropriação ilícita de verbas transferidas pelo Estado – e que certos colégios têm lugar cativo nestes contratos de associação, apercebi-me de duas coisas verdadeiramente arrepiantes:
1. Diz o Público de 24 de Agosto de 2015: “Este ano, pela primeira vez, a seleção foi feita através de um concurso, tendo também deixado de existir a anterior prerrogativa legal para a atribuição do financiamento que consistia na ausência de oferta pública na proximidade dos colégios com contrato. Esta norma caiu com a aprovação, em 2013, do novo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo”. Ou seja, o dinheiro dos contribuintes é utilizado para pagar duas vezes a mesma coisa numa determinada área do país: a Escola Pública e a Escola Privada que por lá exista também. Espantoso.
2. Diz ainda o mesmo jornal: “No concurso para a atribuição dos contratos, um dos critérios que o MEC indicou que iria valorizar foi o dos “resultados obtidos nas provas e exames nacionais” em 2013/2014. Os outros critérios de seleção têm a ver com os objetivos definidos pelos colégios candidatos para prevenir o insucesso e o abandono escolar, a estabilidade do corpo docente e a qualidade das instalações e equipamentos”. Chocante e revoltante. Então o Estado que não previne de nenhuma forma o insucesso e abandono escolar, promove ativamente a INSTABILIDADE do corpo docente e não INVESTE nas instalações e equipamentos da Escola Pública (não confundir a FESTA recente na Parque Escolar, que andamos todos a pagar, com investimento sério nas condições de trabalho e aprendizagem da nossa Escola Pública), fatores que, no seu conjunto, têm impacto óbvio no resultado dos alunos nos exames nacionais, utiliza todos estes critérios para a avaliação do concurso de escolas privadas a financiamento público?
Tudo isto é verdadeiramente CHOCANTE e deveria apelar à reflexão sobre o caminho que seguimos. Assim, desta forma atabalhoada e sem valores, os resultados serão sempre os mesmos, os sacrifícios cada vez maiores e o país continuará adiado.
(Diário As Beiras de 28 de Agosto de 2015)

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Publicado em Opinião