CHAMO-ME ABOU

    Tinha oito anos, vivia em Martim Joanes (Cadaval) e fui com a minha família e amigos ver um espectáculo do Circo Chen, às Caldas da Rainha. O que mais me impressionou foi a performance de um contorcionista que revelou uma flexibilidade tão grande que lhe permitiu entrar numa pequena mala de viagem, e […]

  • 10:21 | Segunda-feira, 11 de Maio de 2015
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Tinha oito anos, vivia em Martim Joanes (Cadaval) e fui com a minha família e amigos ver um espectáculo do Circo Chen, às Caldas da Rainha. O que mais me impressionou foi a performance de um contorcionista que revelou uma flexibilidade tão grande que lhe permitiu entrar numa pequena mala de viagem, e fechar-se dentro dela.


Nunca imaginei ser possível observar algo de mais improvável que envolvesse uma mala de viagem e um humano.  Até que foi detectado Abou, um menino de oito anos, dentro de uma mala, pela Guarda Civil em Tarajal,  fronteira de Ceuta. Os guardas foram surpreendidos ao verificarem, através do controlo por scanner, que estaria uma criança dentro da mala em posição fetal. Quando abriram a mala, transportada por uma senhora de 19 anos,  o menino disse em francês: “Je m’appelle Abou”. Pouco depois, detiveram o pai do menino que foi acusado, tal como a jovem marroquina, de crime contra cidadãos estrangeiros. O pai de Abou terá chegado à Europa num “cayuco” ou “patera”, reside nas Canárias e pretendia levar o filho para perto dele, após lhe ter sido negado o pedido de reagrupamento familiar.

Pai e filho estavam separados pelas fronteiras e barreiras administrativas, agora estão ainda mais distantes, mais afastados pela lei, o pai detido e o filho tutelado pelos autoridades competentes.

Um plano absurdo, mas revelador do amor que o senhor da Costa do Marfim tem pelo filho. A emoção superou a razão. Estou a torcer para que a razão, na abordagem a este caso insólito, possa ser mesclada com a emoção e não se destruam duas vidas e um sonho que só se tornaria, efetivamente, cumprido quando pai e filho partilhassem a casa, se abraçassem e se amassem. Uma irresponsabilidade reveladora do sofrimento de milhares de ilegais que sonham reunir a família na Europa e que se sujeitam a tudo para fugirem à miséria e à guerra que caracterizam os seus países de origem.

O desespero de um pai terá dado lugar ao medo de perder um filho. O que pensarão, neste momento, estes dois cidadãos do mundo? O que pensarão os cidadãos do mundo, desta saga?

 

 

 

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Publicado em Opinião