Ambiente de Mentira

Em 1989 fechava uma das mais importantes empresas siderúrgicas do País, uma empresa que tinha iniciado actividade em 1917 para esgotar o excesso de produção eléctrica da central da Senhora do Desterro.

  • 16:26 | Terça-feira, 18 de Junho de 2019
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Em 1989 fechava uma das mais importantes empresas siderúrgicas do País, uma empresa que tinha iniciado actividade em 1917 para esgotar o excesso de produção eléctrica da central da Senhora do Desterro. Encerrava por dívidas astronómicas à EDP (entretanto a central da Serra da Estrela tinha sido nacionalizada e o KW era vendido a preços correntes) estando aos comandos da guilhotina Cavaco Silva, que não quis analisar o registo histórico ou a situação dos mais de 600 trabalhadores. Canas de Senhorim e o concelho entravam numa terrível depressão económica e cultural que seria agravada, alguns anos depois, com a situação na Empresa Nacional de Urânio.

Ontem a SIC transmitiu uma reportagem que pôs a nu o problema ambiental que se vive nas suas antigas instalações.

“De Potência Nacional a Problema Ambiental” pode ser vista neste link: e elucida, para quem ainda não sabia, o que vai nas antigas instalações da Companhia Portuguesa de Fornos Eléctricos – uma montanha de problemas ambientais resultantes da actividade da antiga empresa e das do grupo de Manuel Godinho, empresário preso por corrupção a Armando Vara e outros, que ali levemente se instalou anos depois do encerramento.


Passados 30 longos anos ainda não houve um Governo ou uma Câmara Municipal que fossem capazes de resolver e reabilitar aquele espaço, marco indelével na memória industrial da região, e potenciar a sua localização estratégica.

Os actuais executivos da Câmara Municipal e Junta de Freguesia (este há praticamente 20 anos em funções) aparentam ser tão tóxicos nesta questão como os materiais que ali estão depositados e são parte importante do problema. Sem nunca terem alertado a população, sem nunca terem exigido a recuperação, tentaram varrer para baixo do tapete a trampa, não querendo saber das consequências para o ambiente e saúde das populações. Limitaram-se a usar o espaço para fazer campanha eleitoral (sabendo do caracter quase mitológico que as populações lhe atribuem). Sabendo dos problemas ambientais gravíssimos, pois a CCDR notificou a CGD para proceder à limpeza em 2017 (tendo naturalmente informado a CM de Nelas), anunciam em final desse ano que tinham comprado o espaço e que estava pronto para utilização. Tanto assim foi que assinaram um protocolo com uma empresa para ali se instalar. Obviamente, é evidente agora, nunca houve compra do espaço e nunca houve intenção de instalar ali qualquer empresa, como acabou por se verificar. Mentiram e mentem descaradamente a toda a população e fazem-no com uma matéria mais que sensível.

Enquanto escondiam das populações este problema ambiental a que estamos sujeitos, talvez inspirados naquilo que se passa(va) na Ribeira da Pantanha, ainda se deram ao luxo de pedir aos Bombeiros para lá irem carregar água que “venderam” (na realidade nunca cobrou essa água às empresas) a industrias. Água muito provavelmente contaminada com metais pesados. Terá sido por essa razão que, no final do Verão de 2017, o presidente da Câmara defendeu publicamente a atoarda de que tinha “decretado o Estado de Emergência” (algo para qual não tem competência) e falou em “racionamento de guerra”?

Enquanto escondia de todos nós o que a CPFE guardava, andava a organizar exposições evocativas dos 100 anos da empresa.

Passados 30 anos temos uma Junta e uma Câmara que, ao invés de lutarem para que se resolvam, potenciam os problemas ambientais do concelho. Passados 30 anos temos uma CCDR e uma Câmara que em vez de agir e penalizar quem poluiu e prejudica as populações e o ambiente, assistem calados à impunidade dos poderosos (noutros casos até passam licenças extraordinárias para que possam poluir os nossos ribeiros). Passados 30 anos temos, pelos mesmos actores políticos, a mesma inacção perante os graves problemas que Canas de Senhorim enfrenta há décadas. Já foi assim com as Minas da Urgeiriça – enquanto a AZU e alguns cidadãos lutavam pela resolução dos graves problemas ambientais, a Junta e a Câmara juravam que não havia problemas e que o “alarmismo” afectava o desenvolvimento económico. Hoje, com milhões de euros investidos na recuperação, as mesmas pessoas vão, sem pingo de vergonha, às inaugurações dessas obras como se sempre as tivessem defendido, quando, na prática, lutaram contra elas.

Canas de Senhorim teve um passado industrial glorioso e nenhuma Câmara ou Junta foi capaz de lutar e tentar resolver os problemas que advieram dessa actividade e do seu encerramento. Houve quem tivesse ficado contente com a miséria de maior freguesia do concelho porque isso significava um ganho de importância comparativa da sede do concelho. Tal forma de pensar é, ainda hoje e infelizmente, muito mainstream. Como se o sucesso ou importância de um determinado concelho só se medisse pela dimensão e importância da sua sede e não pelo seu todo. Esta forma de pensar e agir, doentiamente centralista, é o que impede um desenvolvimento mais harmonioso. Ou alguém tem dúvidas que se os problemas ambientais e económicos (com o desemprego maciço e emigração associada) que o concelho enfrentou e enfrenta em Canas de Senhorim já teriam sido resolvidos (ou veementemente tentado) se ocorressem na sede do concelho?

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Publicado em Opinião