S. MARTINHO – O VERÃO QUE SEMPRE VOLTA

Pelo S. Martinho Vai à adega e prova o vinho! Adágio popular   Lembro, nesta quadra, os velhos usos da minha terra, ali Terras do Demo, canto da Beira que se estende por terras irmãs em natureza até à fronteira desenhada com o Douro, os magustos ruidosos e a prova do vinho novo, actos de […]

  • 10:25 | Sexta-feira, 18 de Novembro de 2016
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Pelo S. Martinho

Vai à adega e prova o vinho!

Adágio popular


 

Lembro, nesta quadra, os velhos usos da minha terra, ali Terras do Demo, canto da Beira que se estende por terras irmãs em natureza até à fronteira desenhada com o Douro, os magustos ruidosos e a prova do vinho novo, actos de alegre convivialidade que reforçavam a coesão da comunidade aldeã onde a honra dos maiores era mais-valia como se fora palavra de El-Rei.

Nesse tempo as vindimas faziam-se no cedo, as castanhas começavam a cair nas primeiras semanas do Outono, ao tempo da Festa de Todos os Santos autorizavam-se os rebuscos e as mulheres a quem a sorte pouco mais consignara que a renda de uma horta ou o chão avaro de uma courela lá seguiam, cesta breza no braço e o maço de britar, para a paciente jornada que nem sempre a fortuna coroava. Nas encostas luzia, pela curta duração dos dias já curtos de luz, a folhagem da cor do ouro velho de um chão de castanheiros centenares.

Domingo trazia a tarde ensoleirada desse “Verão de S. Martinho”, eterna memória desses místicos três dias primeiros de sol e milagre com que Deus agasalhou o santo na viagem que fazia, a clâmide vermelha de soldado entregue, por esmola, a um mendigo, juntavam-se os vizinhos numa eira e os rapazes governavam a brandura do lume de palha de centeio onde as castanhas assavam, soltas e doces, pão de longa jornada de que Adão se alimentou quando partiu do paraíso.

E era o ágape festivo, era tempo de vinho novo, havia beijos roubados como no tempo das desfolhadas, a mesa de todos era o chão da eira comunal e o vozear da gente na limpidez da tarde lembrava clamores de avós antigos diante de altar de sacrifício consagrado à Terra-Mãe.

Quando o Poente avermelhava, quando as sombras se alongavam nos quintais, quando o vinho esfuziava nos cantares, pelo caminho, era cumprido o rito ancestral e então, da torre da igreja, descia sobre a gente como o quente manto do santo celebrado, o suave toque das nove Ave Marias.

 

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