Vós sois o sal da terra…

Enquanto, num ápice, o céu se alumiou de raios, ribombou de trovões e do azul se fez em cinza rôta de grossas cordoveias em chuva rufadas, me ocorreu que tanta água curaria em lavar a terra da muita imundície que a suja. Mais me lembrou o Sermão de Santo António aos Peixes, proferido a 13 […]

  • 19:19 | Segunda-feira, 13 de Abril de 2015
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Enquanto, num ápice, o céu se alumiou de raios, ribombou de trovões e do azul se fez em cinza rôta de grossas cordoveias em chuva rufadas, me ocorreu que tanta água curaria em lavar a terra da muita imundície que a suja.
Mais me lembrou o Sermão de Santo António aos Peixes, proferido a 13 de Julho de 1654 em S. Luís do Maranhão pelo padre jesuíta António Vieira. Nele, o conceito predicável, dirigindo-se aos pregadores e citando S. Mateus foi: “Vos estis sal terrae“. Vós sois o sal da terra. E porquê o sal da terra? Porque este elemento evita a corrupção, “mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será a causa desta corrupção?
 
Hoje, os pregadores foram substituídos pelos arengadores da política. Os trombeteiros da circunstância propagadores da boa nova, dizem eles, porque ao afirmá-lo neles e só nos seus interesses cogitam.
No exórdio do seu doutíssimo Sermão, Vieira tece várias considerações em torno do sal que não salga (os pregadores) e da terra (os homens) que não se deixam salgar, para concluir:
 
Suposto, pois, que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe salgar; que se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: ‘Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil, para que seja pisado de todos.’ Quem se atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo Cristo a não pronunciara?”
 
Pois nós hoje com tal cáfila de “pregadores”, tão minguados de doutrina e de exemplo, pelo contrário tão acrescidos de “parle-à-pied” vicioso, quantas vezes não invocamos a divina praga que de vez os sumisse ou quantas vezes ainda não sentimos o imperioso desejo de neles sujar os pés?
 
E porque o céu não nos ouve e eles aos pés não adregam, com o voto a terra deles limpemos e a novos pregadores ouçamos, na esperança que sejam portadores de sal que salgue para que a terra, enfim, não seja este ancho sumidoiro da podridão.

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