Vanitas vanitatum et omnia vanitas

      A vaidade é legítima. A posteridade também. Hoje não há peixeira da praça da Ribeira das Naus que não tenha um grande e picante acervo de memórias para dar ao prelo. Histórias de comadres a revelar as qualidades e defeitos das amigas, as lealdades e as traições, os sms trocados — supostamente […]

  • 13:29 | Quarta-feira, 06 de Maio de 2015
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A vaidade é legítima. A posteridade também.
Hoje não há peixeira da praça da Ribeira das Naus que não tenha um grande e picante acervo de memórias para dar ao prelo. Histórias de comadres a revelar as qualidades e defeitos das amigas, as lealdades e as traições, os sms trocados — supostamente do foro pessoal — as iniquidades e as virtudes, as perversidades e os escândalos.
Primeiro, é isso que vende e não já O Livro de Horas de Dom Manuel ou A Arte de Cavalgar em Toda a Sela, de Dom Duarte. A pretexto e exemplo de certa comunicação social, 2 litros de sangue na calçada, uma faca na liga, dois amantes desfeiteados, quatro tiros de pólvora seca, uma malmaridada rancorosa e um fado acanalhado, dão teia para a mais urdida das biografias.
Segundo, com estes protagonistas à la berlusconi, nunca poderíamos estar perante As Confissões de Santo Agostinho ou O Sermão vieiriano da Sexagésima. O espaço onde se movem, o tempo em que decorre a acção, a densidade da intriga e a bufonaria das personagens principais e figurantes, também não pressuporia uma tragédia sófocliana, para comédia tem pouca piada, western spaghetti também não se adequa, mas de um dramalhão indiano já se aproxima, cruzado com uma opereta bufa veneziana.
Não são picarescas, as personagens, nada têm de Malhadinhas nem de Dom Quixote de La Mancha, mas já de Sancho Pança…
O desiderato das varinas do Cesário (o Verde, não confundamos), passado do chicharro aos corredores do poder, foi também tentação dos dois últimos primeiros ministros em fim de linha. Pressagiando a hora de arrumar a “valise de cartão”, rumando no Sud a Paris ou de Boeing para destino incerto — um resort luxuoso de um amigo de Aguiar da Beira? — acharam José Sócrates e Passos Coelho que o mundo se dignificava com as suas memórias da governação. E muito bem!
São retalhos fantásticos da vida de dois grandes políticos, estadistas de mérito, homens que marcaram profundamente a última dúzia de anos de Portugal e dos portugueses. Deveria haver até um SNI do saudoso Ferro para divulgar país afora, em camiões TIR, milhares desses luzentes tomos, todos autografados.
E porque não o Serviço Nacional de Leitura elencá-los nas obras de ruminação obrigatórias, ao lado do Memorial do Convento, de Saramago, para desfrute nos últimos anos do secundário?
Emparceirariam com os escritos de Cavaco, As Memórias do Cárcere (não, não são as de Camilo! Podem ser as de Isaltino, Oliveira e Costa, Lima… ) e com os de uma mão cheia de presidentes de junta mais letrados deste Portugal, tão mais lato que Barcelos e as Caldas, pese embora sem as possessões d’outrora.
Uma coisa é certa, MRS, perdão, Marcelo Rebelo de Sousa nunca poderá ignorá-las, tais memórias, na sua liturgia dominical…
Mais, esperemos que não saia um normativo a obrigar todos os restantes membros do governo, a começar por Portas, a publicar as suas profundas memórias…
Isso é qu’era Cultura, Pedagogia e Didáctica (que é a arte de ensinar!).
(foto DR)
 

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