O “bondosão” castanheiro

    No passado dia 28 de Outubro, aquando do Vº Capítulo de Entronização da Confraria da Castanha Soutos da Lapa, em Sernancelhe, num breve momento aquiliniano, tive a oportunidade de referir e citar que estávamos a degustar fálgaros da Tabosa, cavacas do Freixinho e queijo da Lapa… três iguarias do concelho de Sernancelhe, bem […]

  • 12:32 | Segunda-feira, 30 de Outubro de 2017
  • Ler em 3 minutos

 
 
No passado dia 28 de Outubro, aquando do Vº Capítulo de Entronização da Confraria da Castanha Soutos da Lapa, em Sernancelhe, num breve momento aquiliniano, tive a oportunidade de referir e citar que estávamos a degustar fálgaros da Tabosa, cavacas do Freixinho e queijo da Lapa… três iguarias do concelho de Sernancelhe, bem preservadas e continuadas, mercê da escrita do Homem, da intervenção atenta e profícua dos autarcas, da ancestral sabedoria das gentes desses lugares e da solicitação dos visitantes.
Mas era dia de “castanha”, hoje fruto de riqueza agrícola do Concelho, com a sua produção média de mil toneladas/ano (este ano pela falta de chuva houve uma quebra de aproximadamente 70% da produção), e um provento na ordem dos 3 milhões de euros, modo de vida de mais de 120 produtores.
 
Em O Homem da Nave dedica Aquilino um capítulo inteiro ao castanheiro e à castanha.
Para não vos enfadar serei brevíssimo, citando duas meras passagens aí referenciadas, uma sobre o castanheiro, o bom gigante… “300 anos a crescer, 300 no seu ser e 300 a morrer”, como diz o prolóquio, outra sobre o seu fruto, o objecto, essência e razão de ser da Confraria da Castanha:
“O castanheiro, além de celeiro dos nossos avós púnicos e celtibéricos, era por vezes a sua casamata e almenara e, quando enfolhado, a abóbada verde sob que armavam festas e arraiais. De par com esta utilização, que outra árvore ou mesmo animal manifesta mais gosto pela altitude e mais de nodo nas intempéries, braços ao alto, ramagem no vento, fincando o espigão nos penetrais do solo? A neve só lhe faz bem, e as raízes vão incoercivelmente através dos lesins nunca violados do granito à busca da veia, que passa recôndita, pedir-lhe uma sede de água. Os nossos antepassados conheciam as infinitas virtudes do castanheiro e veneravam-no como a uma divindade exclusivamente benigna não era nos seus galhos que enforcavam os justiçados! Todas as árvores serviam, a começar pelo roble, mas jamais o castanheiro bondosão, que dava sombra ao romeiro e castanhas ao viandante de saquitel e vara, ao mendigo e ao mimoso da sorte. O castanheiro era havido como tabu para tal espécie de ignomínias. Parece que também o poupa o raio. Nunca vi em castanheiro o sulco especial que frequentemente se observa nos pinheirais, traçado pelo corisco com tanta regularidade que nem aberto à goiva. Dir-se-ia que estão tão intimamente consubstanciados com a terra, sua mais excrescente flora, que se nivelam com o campo magnético.”
(…)
“À lareira, nos dias rígidos de Outono, quando o natal não acaba de desembocar dos horizontes pardacentos e nos outeiros rincha o Noroeste, a miudagem da família pegava das bonecras, as castanhas abortadas, também chamadas folechas, e punha-se em cima das brasas com uma gota de água ou mesmo de saliva com intenção àquela matrona da aldeia que andasse com a barriga à boca. Se a bonecra, ou castanha abortada estoirava, saía rapaz; se bufava, saía rapariga. E o diagnóstico era tão infalível que o barbeiro de Lamosa o inculcava como único quanto a resolver o bicudo problema que é a prenunciação dos sexos.
Era também tempo o tempo de se picarem as castanhas. A operação em casa do pobre fazia-se num cesto vindimo, e um homem saltava lá dentro com tamancos brochados melhor que um títere na ponta de um elástico ou um arraiano a bater o fandango. Mas tinha os seus ritos, as suas fases, bem diferentes da pisa feita a pés de cavalo nas herdades ricas.
As castanhas piladas botavam até tarde, quando as pôlas rompiam a entumecer nos ramos novos. Por essa altura, o aldeão, pai de filhos, vinha com o seu canivete e cortava a vergôntea que brotara parasitariamente no cepo do castanheiro. Os troncos velhos revestem-se desta pelagem supérflua e afogadiça. Num dos segmentos, para uma das extremidades, fazia uma incisão a toda a roda; com o cabo da navalha anediava a casca; passava e repassava até a estonar. E a casca saía direita e intacta como um tubo metálico. Torna-la depois uma gaitinha, que Sileno invejaria, era obra fácil. E para arremedar o melro, iludir o perdigão, solfejar a moda do dia, não havia flautim melhor.”

Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Editorial