E agora…?

Nada na perda é positivo. Perder é falhar, ficar sem algo, alguém, ser derrotado, privado do que/quem tinha para nós afecto e/ou significado/importância. Perder-se é uma deriva. Cosmológica ou vivencial. Atopia ou triste fado. Quando perdemos algo de valor ficamos consternados, transtornados, preocupados, despojados/privados de um bem. Se perdemos alguém, ficamos angustiados, sofridos, com uma […]

  • 15:37 | Sábado, 04 de Julho de 2015
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Nada na perda é positivo. Perder é falhar, ficar sem algo, alguém, ser derrotado, privado do que/quem tinha para nós afecto e/ou significado/importância.
Perder-se é uma deriva. Cosmológica ou vivencial. Atopia ou triste fado.
Quando perdemos algo de valor ficamos consternados, transtornados, preocupados, despojados/privados de um bem.
Se perdemos alguém, ficamos angustiados, sofridos, com uma tristeza atrida, funda, e uma dor que, por vezes, o silêncio da compunção não acolhe, exigindo em grito desentranhado mitigação da causa.
Chorar alivia a perda. Porém, por vezes, não se encontram as lágrimas nos corações sáfaros ou exaustos de experenciar a-gostos (não quis escrever desgostos…).
Perder é um desespero. Uma amputação de uma nossa extensão. Por mero exemplo, na etimologia de “enviuvar”, encontramos um sentido ancestral de “ficar oco”, esvaziado. A perda conduz-nos a esse estado.
O antónimo de perder é ganhar. É óptimo ganhar a (na) vida. É excelente ganhar um amigo, um afecto, um amor. Mas nunca é tão exacerbadamente culminante quanto o perder. Talvez porque possamos ganhar plurais vezes, sucessivamente, vida afora. Mas aquilo ou aquele (a) que se perde conduz-nos a um ponto de inexorabilidade, de despojamento, de esvaziamento irreversível.
 
Ontem, dia 3 de Julho, às 18h30, perdi um amigo. Durante década e meia partilhámos comummente as mais diversas vicissitudes, cumplicidades, exaltações, alegrias e lamentações.
Chegámos a ser, aleatoriamente, sombra e luz, racional e irracional, aio e amo. Mas, essencialmente, companheiros síntonos, capazes de com um gesto, um aceno, um olhar, um passo, dispensarmos todas as palavras.
Nunca conflituámos e o nosso pacto de fidelidade nunca se lacerou. A nossa mútua estima era séria. O nosso afecto, real. A nossa empatia, consistente.
Até ao fim, esta comunhão permaneceu inalterável. Nada, nunca a desvaneceu. Pelo contrário, o tempo fortaleceu-a, solidificou-a.
 
Fitámo-nos ontem, ao fim da tarde, pela última vez. Sem sombras a macerar o olhar trocámos o afago breve.
 
Hoje, reinventarei uma parte das rotinas, agora perdidas. Outras se sobreporão. Mas, aquele vazio…
O não estares comigo, a meu lado, não é suprível. Não ocuparei o teu espaço, que agora passo à memória.
“But life goes one”.
Talvez seja mais fácil para quem parte do que para quem fica. Só sei sentir como aquele que ficou… E pareces estar ainda em todos os espaços, na casa e a meu lado. No espaço de mim. O dos afectos, das afinidades de eleição, da concórdia, que é uma palavra na sua essência, tão intensa… o mesmo sentir, com o mesmo coração.
Ontem não consegui escrever. Pela primeira vez, negou-se-me o lápis ao papel. Faço-o hoje. Numa incipiente sublimação, partilha e memória. A escrita é mais refletida, mais intimista que a oralidade. Perdura e dá forma e consistência ao sentir.
Tirei-te centenas de fotografias. Estive a revê-las. Sem morbidez, antes com a serenidade do olhar limpo.
 
Fomos constantes até ao fim de um de nós. Não sei qual ganhou. Apenas creio saber que ganhámos. Por isso, a perda — de grande — aí se minimiza.
 

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