A canalha de hoje, instruída nos corredores do lugar-tenentismo…

  Não é fácil falarmos sobre canalha. O estatuto que lhes confere a designação já é suficientemente elucidativo. Dantes, canalha era o vilão dos filmes de cow-boys. Aquele que ouvia o ápodo da boca num esgar de desprezo torcida de um John Wayne, antes de ouvir o derradeiro som, o do estampido do tiro que […]

  • 10:50 | Quinta-feira, 04 de Janeiro de 2018
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Não é fácil falarmos sobre canalha. O estatuto que lhes confere a designação já é suficientemente elucidativo.
Dantes, canalha era o vilão dos filmes de cow-boys. Aquele que ouvia o ápodo da boca num esgar de desprezo torcida de um John Wayne, antes de ouvir o derradeiro som, o do estampido do tiro que lhe punha fim, porque os canalhas mereciam morrer…
“Canalha!”, vituperava de entranhas desfeitas, a amante enganada pela luz do seu olhar.
Canalha era tão fado soado nas vielas escuras de Alfama, Mouraria, Bairro Alto… Era o destino tristonho e inevitável dos portugueses tangido com rude melancolia em cordas emocionadas e cantado aos sete céus de Lisboa pela rouquida voz dos perdidos.
Canalha era o povo antes de Abril na boca túmida e “abatonada” das damas chiques da Lapa.
Canalha era o epíteto carinhoso do mestre-escola, na aldeia fria, para o seu “rebanhozinho” espevitado.
Canalha, “a minha canalha”, era o triunfo orgulhoso de um pai para o seu rancho gaio de tropelias.
Canalha fomos todos nós, um dia, miúdos em crescimento, alegres, fortes e ladinos, a enfiar batatas nos escapes delgados dos carros velhos para os ver tossicar estrepitando em intermitências de foguetório gaiteiro ou a assaltar a capoeira sempre ancha e franca do Cónego Albano.
Canalha era o tango de Gardel roçado em jactâncias ágeis nas boates de 70.
Canalha era o amor roubado num ímpeto de coração atrevido, da namorada de um amigo, que o órgão é cego…
Canalha era a malta da “cova funda” que bebia a tragos largos canadões de briol e arrotava “postas de fígado de cebolada”, para armar ao pingarelho.
Canalha era o árbitro que nunca deixava ganhar a equipa de futebol caseira.
Essa era a canalha. A de outrora. A de hoje formou-se em “partidarite, summa cum laude”, a maioria nas jotas para se reformar na política. São os filhos do oportunismo, do amiguismo, da incompetência, do jeitinho, do compadrio, do não-sei-fazer-mais-nada… A canalha de hoje tem poder, manda, estraga, corrompe, rói, destrói e é pior que um fogo selvagem pinheiral acima, devastando tudo à sua passagem.
A canalha, hoje, veste fatos boss, gravatas hermès, usa patek’s de ouro rosa e canetas montblanc, com aparo de platina, embora mal saibam assinar de cruz…
A canalha de hoje, instruída nos corredores do lugar-tenentismo, não tem princípios, não tem decência, não tem ética, não tem valores, não tem moral…
A canalha de hoje é o cancro “irrevogável” das sociedades, das democracias, do mundo livre, sem fundamentalismos ideológicos nem religiosos, apenas sendo portadores da virose egocêntrico-subserviente dos neo-liberalismos associais.
A canalha de hoje adora em ara de Carrara o euro pútrido, é um clã cheiroso, com mordomias, motoristas, cartões-quase-de-ouro e vacuidade total nos cérebros ocos, luzidios de brylecreem.
A canalha de hoje é uma praga letal. Viral. Uma elite de ralé. Uns patifes de colarinhos engomados.
A canalhice é o seu modo de agir.
Que saudades das vielas avinhadas de outrora…

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Publicado em Editorial